São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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LUIZ FERNANDO VIANNA

A guerra das palavras

RIO DE JANEIRO - Ler e ouvir diariamente, por dever de ofício, dezenas de notícias policiais é desagradável não só pelas crianças feridas e pelo número absurdo de mortos -foram assassinadas no Estado do Rio, entre janeiro e setembro deste ano, 4.460 pessoas. Dói também a torpeza do estilo.
A banalização dos conflitos levou a imprensa a aplicar frases feitas que lhe são passadas pelas fontes da polícia, as únicas disponíveis ou procuradas. Sem minimizar as dificuldades das forças de segurança, seguem algumas tentativas de tradução:
"Os policiais faziam um patrulhamento de rotina na favela X" - Não há patrulhamento de rotina em favelas onde há traficantes armados. Por segurança, só entram em grandes grupos. Ou então, para fazer negócio com os traficantes, como cobrar o arreglo -procedimento conhecido como "mineirar".
"Os policiais foram recebidos a tiros pelos traficantes" - Se estão entrando para combatê-los, não estranha que sejam recebidos assim. É a infeliz lógica de guerra. Com frequência, como diz outra expressão clichê, "entram atirando". Crianças e idosos costumam ser surpreendidos nesses casos pelas chamadas balas perdidas.
"X bandidos morreram na operação" - Pretos, pobres e mal vestidos são, a priori, bandidos, mesmo que não se saibam os nomes e se têm fichas policiais. Se familiares e moradores "fecham a avenida X para protestar com paus e pedras contra a polícia", desconfia-se que algum inocente tenha morrido.
"Deu entrada no hospital X, mas não resistiu aos ferimentos" - Foi morto no confronto, mas não convém deixar o corpo para eventuais perícias -ainda que improváveis- ou queixas de parentes.
"Será aberta uma sindicância para apurar as responsabilidades dos policiais" - Nada acontecerá.


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