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EMÍLIO ODEBRECHT
A cultura da desconfiança
OS JORNAIS das últimas semanas reservaram espaços
generosos para um debate
tenso e acalorado sobre o papel de
organismos de controle e fiscalização criados na administração pública brasileira.
Não pretendo participar focando
no que está posto -que são as atribuições das instituições concebidas para auxiliar os gestores governamentais-, porque isso é apenas
um efeito. Prefiro olhar para a causa -e a causa é um fenômeno chamado cultura da desconfiança.
As relações entre empresas, entre estas e o poder público e entre o
poder público e a sociedade deveriam ser pautadas pelo princípio da
confiança.
Entretanto, a cultura da desconfiança impôs ao servidor público e
a todos aqueles que com ele se relacionam um emaranhado de medidas que tem levado o Estado ao
imobilismo.
Quando o ministro Hélio Beltrão, no final da década de 1970,
empreendeu sua cruzada pela desburocratização, ele definiu como
condição básica para o êxito de seu
projeto o crédito na palavra e no
compromisso de cada um com a
verdade.
Uma declaração de próprio punho tinha que ter tanto valor quanto uma certidão emitida por um
cartório. Não deu certo e continua
alta a popularidade do ato de se
desconfiar, seja no setor público,
seja no privado. Neste, a inexistência de delegação em muitas empresas é uma demonstração de que
também não existe a condição preliminar: líderes que confiam em
seus liderados.
Ocorre que a desconfiança a
priori não favorece o diálogo. Precisamos inverter essa situação. O
mundo está cheio de exemplos do
bom uso do princípio oposto -o da
confiança.
Todos conhecem o caso do economista Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de
2006 por ter criado em Bangladesh
um banco voltado para o microcrédito. As pessoas que o procuram
não dispõem de qualquer ativo para oferecer como garantia pelo empréstimo tomado, além da própria
palavra. Se comprometem a pagar
o que lhes for emprestado e pagam.
Merecedoras de confiança,
honram os contratos.
Confiar é um princípio universal, atemporal. É uma escolha e é
um valor. Desconfiar não é um valor. Confiar é também um atributo
daqueles que são movidos pelo espírito de servir.
A confiança decorre do respeito
entre as pessoas e o respeito é fruto
da disciplina nos relacionamentos.
Este trinômio é a chave da questão.
O Brasil está pagando um preço
muito elevado por ter permitido
que esse clima de eterna suspeita
contaminasse a vida do país. Caminhar no rumo da construção de
uma sociedade de confiança trará
bons resultados para todos nós.
EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna.
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