São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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EMÍLIO ODEBRECHT

A cultura da desconfiança

OS JORNAIS das últimas semanas reservaram espaços generosos para um debate tenso e acalorado sobre o papel de organismos de controle e fiscalização criados na administração pública brasileira.
Não pretendo participar focando no que está posto -que são as atribuições das instituições concebidas para auxiliar os gestores governamentais-, porque isso é apenas um efeito. Prefiro olhar para a causa -e a causa é um fenômeno chamado cultura da desconfiança.
As relações entre empresas, entre estas e o poder público e entre o poder público e a sociedade deveriam ser pautadas pelo princípio da confiança.
Entretanto, a cultura da desconfiança impôs ao servidor público e a todos aqueles que com ele se relacionam um emaranhado de medidas que tem levado o Estado ao imobilismo.
Quando o ministro Hélio Beltrão, no final da década de 1970, empreendeu sua cruzada pela desburocratização, ele definiu como condição básica para o êxito de seu projeto o crédito na palavra e no compromisso de cada um com a verdade.
Uma declaração de próprio punho tinha que ter tanto valor quanto uma certidão emitida por um cartório. Não deu certo e continua alta a popularidade do ato de se desconfiar, seja no setor público, seja no privado. Neste, a inexistência de delegação em muitas empresas é uma demonstração de que também não existe a condição preliminar: líderes que confiam em seus liderados.
Ocorre que a desconfiança a priori não favorece o diálogo. Precisamos inverter essa situação. O mundo está cheio de exemplos do bom uso do princípio oposto -o da confiança.
Todos conhecem o caso do economista Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006 por ter criado em Bangladesh um banco voltado para o microcrédito. As pessoas que o procuram não dispõem de qualquer ativo para oferecer como garantia pelo empréstimo tomado, além da própria palavra. Se comprometem a pagar o que lhes for emprestado e pagam. Merecedoras de confiança, honram os contratos.
Confiar é um princípio universal, atemporal. É uma escolha e é um valor. Desconfiar não é um valor. Confiar é também um atributo daqueles que são movidos pelo espírito de servir. A confiança decorre do respeito entre as pessoas e o respeito é fruto da disciplina nos relacionamentos. Este trinômio é a chave da questão.
O Brasil está pagando um preço muito elevado por ter permitido que esse clima de eterna suspeita contaminasse a vida do país. Caminhar no rumo da construção de uma sociedade de confiança trará bons resultados para todos nós.

EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna.



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