São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positiva a proposta para a 28ª Bienal de SP, que prevê, entre outras coisas, um andar vazio?

NÃO

Perda irreparável

NELSON AGUILAR

O CANCELAMENTO da mostra internacional da 28ª Bienal de São Paulo e sua conversão em palco de debates configura uma perda irreparável não só à cidade e à arte brasileira e latino-americana mas também ao circuito internacional.
Uma edição da Bienal paulistana, boa ou má, reúne artistas, críticos, galeristas, estudantes, visitantes de todas as partes do mundo há mais de 50 anos. No lugar disso, propõe-se uma série de conferências. A montanha pariu um rato e almeja-se que essa natividade seja celebrada, se não como megaevento, ao menos como "um gesto radical".
O papel do presidente da Fundação Bienal de São Paulo é seguir os estatutos e realizar aquilo para o que é nomeado, a saber, a exposição de artes plásticas bianual. É respaldado por um conselho de notáveis, no qual têm assento o ministro das Relações Exteriores e o da Cultura, o secretário da Cultura do Estado e o do município. O que terá sucedido a essa rede capilar que liga o evento às mais importantes instituições nacionais?
A Fundação Bienal vive do aluguel do pavilhão onde acontece a mostra e da capacidade de persuasão da diretoria nos segmentos públicos e privados da sociedade para a consecução de sua finalidade. Um presidente sem essa interlocução sobra no comando de uma entidade sem fins lucrativos que pretende servir à comunidade.
Escapa à compreensão do cidadão por que a fundação cede espaço e promove a Bienal Internacional de Arquitetura, ora em andamento, sem que para isso exista qualquer exigência regimental, gastando energia e dinheiro, enquanto envia às urtigas a razão de ser de sua existência.
A Bienal anterior, embora tivesse por tema "Como viver juntos", notabilizou-se pela convivência insuportável entre diretoria e curadoria, numa competição de desacertos que desembocou num resultado medíocre no que diz respeito à divulgação do evento, a começar pela ausência de catálogo.
Não obstante a pálida gestão, o presidente foi reconduzido e prosseguiu a seqüência de atos falhos por meio da idéia de um concurso entre curadores para a edição seguinte cujas regras foram reformuladas no último minuto.
Propôs-se uma solução de compromisso, firmada entre dois participantes do certame, Ivo Mesquita e Marcio Doctors, de discutir publicamente o evento em 2008 e efetivá-lo em 2010. Era a tentativa de fazer falsas janelas para simular simetria. Houve mesmo o expediente de emendar o estrago por meio do tema: o vazio na arte.
Em 2008, para gáudio de palestrantes indiferentes ao arredor, aconteceria apenas a mesa redonda, visto não existir, segundo o parecer dos dirigentes, tempo hábil para executar o evento (despendido nas dificuldades que a diretoria teve para convencer os conselheiros a aprovar as contas da 27ª Bienal).
Como o presidente não é vitalício, ainda que o atual seja o de maior duração no posto, à exceção de Ciccillo Matarazzo, o fundador, e não podendo garantir o que acontecerá em 2010, a estratégia não funcionou a contento. Marcio Doctors, ciente de que não haveria sentido em transformar o mundo artístico num palavrório, desiste do pleito.
Ivo Mesquita, agora sozinho, aceita a incumbência de transformar a mostra em sucedâneo, algo virtual, uma "second life", substituindo formas por discursos e atualizando de maneira macabra o debate sobre a morte da arte. Promete performances, apresentação de vídeos, 40 dias de conferências, mostra de arquivo e um andar vazio.
Isso substitui a experiência estética, a visita de críticos de arte, de artistas dos países participantes, dos respectivos curadores, o posicionamento dos brasileiros diante da cena internacional, a freqüentação de galerias, ateliês, museus, coleções particulares exercida pelos que vêm conhecer ou restabelecer contato com a segunda Bienal mais conhecida do circuito?
O presidente da Bienal de 2010 terá que arcar com a quebra da periodicidade do evento, o que significa perda de verbas dos países visitantes, com o recomeço difícil. Mas 2010 está tão longe das artes quanto 2014 está próximo do futebol.


NELSON AGUILAR, 62, é professor de história da arte da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi curador-geral da 22ª (1994) e da 23ª (1996) Bienal de São Paulo e da quarta Bienal do Mercosul (2003).

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