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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positiva a proposta para a 28ª Bienal de SP, que prevê, entre outras coisas, um andar vazio?
NÃO
Perda irreparável
NELSON AGUILAR
O CANCELAMENTO da mostra
internacional da 28ª Bienal de
São Paulo e sua conversão em
palco de debates configura uma perda
irreparável não só à cidade e à arte
brasileira e latino-americana mas
também ao circuito internacional.
Uma edição da Bienal paulistana,
boa ou má, reúne artistas, críticos, galeristas, estudantes, visitantes de todas as partes do mundo há mais de 50
anos. No lugar disso, propõe-se uma
série de conferências. A montanha
pariu um rato e almeja-se que essa
natividade seja celebrada, se não como megaevento, ao menos como "um
gesto radical".
O papel do presidente da Fundação
Bienal de São Paulo é seguir os estatutos e realizar aquilo para o que é nomeado, a saber, a exposição de artes
plásticas bianual. É respaldado por
um conselho de notáveis, no qual têm
assento o ministro das Relações Exteriores e o da Cultura, o secretário da
Cultura do Estado e o do município. O
que terá sucedido a essa rede capilar
que liga o evento às mais importantes
instituições nacionais?
A Fundação Bienal vive do aluguel
do pavilhão onde acontece a mostra e
da capacidade de persuasão da diretoria nos segmentos públicos e privados
da sociedade para a consecução de
sua finalidade. Um presidente sem
essa interlocução sobra no comando
de uma entidade sem fins lucrativos
que pretende servir à comunidade.
Escapa à compreensão do cidadão
por que a fundação cede espaço e promove a Bienal Internacional de Arquitetura, ora em andamento, sem
que para isso exista qualquer exigência regimental, gastando energia e dinheiro, enquanto envia às urtigas a
razão de ser de sua existência.
A Bienal anterior, embora tivesse
por tema "Como viver juntos", notabilizou-se pela convivência insuportável entre diretoria e curadoria, numa competição de desacertos que desembocou num resultado medíocre
no que diz respeito à divulgação do
evento, a começar pela ausência de
catálogo.
Não obstante a pálida gestão, o presidente foi reconduzido e prosseguiu
a seqüência de atos falhos por meio da
idéia de um concurso entre curadores
para a edição seguinte cujas regras foram reformuladas no último minuto.
Propôs-se uma solução de compromisso, firmada entre dois participantes do certame, Ivo Mesquita e Marcio Doctors, de discutir publicamente
o evento em 2008 e efetivá-lo em
2010. Era a tentativa de fazer falsas
janelas para simular simetria. Houve
mesmo o expediente de emendar o
estrago por meio do tema: o vazio
na arte.
Em 2008, para gáudio de palestrantes indiferentes ao arredor, aconteceria apenas a mesa redonda, visto não
existir, segundo o parecer dos dirigentes, tempo hábil para executar o
evento (despendido nas dificuldades
que a diretoria teve para convencer os
conselheiros a aprovar as contas da
27ª Bienal).
Como o presidente não é vitalício,
ainda que o atual seja o de maior duração no posto, à exceção de Ciccillo
Matarazzo, o fundador, e não podendo garantir o que acontecerá em
2010, a estratégia não funcionou a
contento. Marcio Doctors, ciente de
que não haveria sentido em transformar o mundo artístico num palavrório, desiste do pleito.
Ivo Mesquita, agora sozinho, aceita
a incumbência de transformar a mostra em sucedâneo, algo virtual, uma
"second life", substituindo formas
por discursos e atualizando de maneira macabra o debate sobre a morte da
arte. Promete performances, apresentação de vídeos, 40 dias de conferências, mostra de arquivo e um andar vazio.
Isso substitui a experiência estética, a visita de críticos de arte, de artistas dos países participantes, dos respectivos curadores, o posicionamento dos brasileiros diante da cena internacional, a freqüentação de galerias, ateliês, museus, coleções particulares exercida pelos que vêm conhecer ou restabelecer contato com a
segunda Bienal mais conhecida do
circuito?
O presidente da Bienal de 2010 terá
que arcar com a quebra da periodicidade do evento, o que significa perda
de verbas dos países visitantes, com o
recomeço difícil. Mas 2010 está tão
longe das artes quanto 2014 está próximo do futebol.
NELSON AGUILAR, 62, é professor de história da arte da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi curador-geral da 22ª (1994) e da 23ª (1996) Bienal de São Paulo e da quarta Bienal do Mercosul (2003).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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