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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Capital do puxadinho
SÃO PAULO - A notícia de que o
Palácio do Planalto acaba de ganhar
um puxadinho no seu processo de
reforma e restauração é cheia de
implicações. Em primeiro lugar, há
a questão arquitetônica: diante das
normas de segurança atuais, a construção de Oscar Niemeyer revela-se
defasada. Procura-se então adequar
o palácio à nova realidade -ou a
obra de arte à vida como ela é.
A solução encontrada -uma caixa de concreto "escondida" no fundo do prédio, um monstrengo que
se pretende invisível- surge quase
como uma metáfora histórica: quisemos ser modernos, as coisas não
saíram como imaginávamos, mas
demos um jeitinho e o resultado é
esse, meia boca, até simpático
quando se subtrai do campo de visão seus aspectos inapresentáveis.
O puxadinho do Planalto é o preço que o país da gambiarra cobra da
nossa modernidade.
Niemeyer é o grande gênio da arquitetura brasileira. E Brasília representou o desejo de integrar socialmente o país, a materialização
de uma utopia simbolicamente
plantada no centro do território nacional. Na véspera de completar 50
anos, a capital sonhada foi engolida
pelo Brasil.
As cidades-satélite no entorno de
Brasília não deixam de ser um
imenso puxadinho, um anexo segregado da vida moderna onde os
neocoronéis do meio-oeste fazem a
sua festa -de Joaquim Roriz a José
Roberto Arruda.
Mas o próprio Plano Piloto vai
acumulando seus puxadinhos. Já
há tempos, a paisagem de Brasília é
uma mistura de fachadas neoclássicas, prédios envidraçados, shoppings ostensivamente coloridos por
propagandas, interiores rococós
-uma salada visual que desafia a
arquitetura "suspensa no ar" do
projeto original.
Os críticos dizem que a obra de
Niemeyer é mais artística e plástica
do que prática e funcional -boa de
ver, ruim de morar. Brasília tenta se
afastar de seu destino. É cada vez
menos moderna e mais pós-moderna. Sua utopia foi para o espaço, e
hoje tem vigência apenas privada.
Chama-se "qualidade de vida".
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