São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Desafios para a alfabetização no Brasil

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA


O Brasil precisa de mudanças profundas nas políticas, na formação dos professores, na qualidade das pesquisas e nas práticas de alfabetização

UMA QUESTÃO central norteou o relatório que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentou, no dia 5 de dezembro, no Rio: como alfabetizar melhor as crianças? A resposta está nas recomendações sobre políticas de educação infantil e alfabetização, fruto de três trabalhos produzidos por equipe interdisciplinar que inclui pesquisadores em economia, ciência política, neurociência, psicologia cognitiva e educação. As conclusões são de vital importância para a comunidade acadêmica e para formuladores de políticas públicas.
Dois trabalhos sobre primeira infância e neurociência criam o pano de fundo para avaliar a alfabetização. Já adiantando a conclusão, o Brasil precisa realizar mudanças profundas em suas políticas, na formação dos professores, na qualidade das pesquisas e nas práticas de alfabetização hoje vigentes.
As reflexões produzidas são de interesse público e imediato. O primeiro trabalho revê estudos sobre o impacto de intervenções durante a primeira infância sobre o desenvolvimento posterior das crianças. Para crianças nascidas em ambientes de risco, estratégias adequadas de atendimento nos primeiros anos de vida constituem o melhor investimento que uma nação pode fazer em seus recursos humanos.
Há duas razões para isso. Uma é explicada pela neurociência: é nessa idade que ocorrem algumas das mais importantes transformações no cérebro humano, e essas transformações são fortemente afetadas pelo ambiente da criança. Nesse contexto, a formação de laços afetivos com adultos -geralmente a mãe- e a qualidade da interação linguística e verbal são fortemente associadas à trajetória de ajuste ou desajuste posterior na escola e na vida. Daí por que a qualidade das intervenções é fundamental para reverter a sorte de quem mais precisa.
A outra razão é um ovo de Colombo que os economistas redescobriram: como o investimento em recursos humanos é cumulativo, quanto mais cedo começa, mais rende. Mas isso não significa necessariamente que as crianças devam ser colocadas em creches -há uma gama de políticas públicas necessárias para assegurar o direito da criança de desenvolver o seu potencial genético.
O segundo trabalho atualiza as contribuições da neurociência para explicar os processos biológicos que acompanham e explicam a aprendizagem da leitura e os fatores do desenvolvimento infantil que facilitam ou dificultam a alfabetização. A neurociência não prescreve métodos de alfabetização, mas os estudos com indivíduos normais e patológicos indicam haver momentos mais oportunos e tipos de intervenções mais adequadas para promover a aprendizagem da leitura.
O terceiro trabalho, sobre métodos de alfabetização, concentra-se na revisão da literatura científica e das políticas e práticas de alfabetização em países que possuem uma escrita alfabética. Os estudos de laboratório, os estudos de campo e as políticas dos países desenvolvidos demonstram que há métodos de alfabetização com resultados consistentemente melhores do que outros. Isso vale para todas as crianças em geral, mas especialmente para aquelas com alguma dificuldade de aprendizagem da leitura e da escrita.
A ABC cumpriu o seu papel, especialmente levando em conta que a discussão nesta seara é infindável e ideológica. Mas se trata de decisão essencial a ser tomada para destravar o atraso educacional em que nos encontramos. Caberá aos membros da comunidade científica -e autoridades- debruçar sobre os dados, conclusões e sugestões do grupo de trabalho e considerar as mudanças necessárias para dar às crianças e à nação brasileira uma esperança de futuro.

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Tereza Cruvinel: TV pública: o feito e o por fazer

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.