São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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JOSÉ SARNEY

China, Kourou e as amazonas

VAMOS IMAGINAR o que foi, na Idade da Pedra Lascada, o domínio do fogo ou a descoberta de novas terras, a aventura de navegar contra o vento, entender o funcionamento da natureza, com a Terra a girar em fantástica velocidade em torno de seu luzeiro maior -como diz a Bíblia-, o Sol.
E, hoje, avaliemos as conseqüências destes tempos transformados da sociedade de comunicação, que entrou instantaneamente, possibilitando a era da globalização, em que todos somos atingidos por tudo.
A Revolução Industrial teve maior impacto naqueles anos do fim do século 18 e começo do 19 do que a que assistimos agora na área de tecnologia. A máquina a vapor, concorrente do homem na substituição do trabalho braçal, surpreendeu mais do que a TV, o celular, os bancos de dados, a internet.
Quando estes chegaram, já havia a desconfiança de que nunca pararia a aventura do homem -e nos preparamos para isso. Acreditamos que chegaríamos aos limites da natureza. E o seu fim só vai esbarrar no próprio homem. "O homem é o lobo do homem" (Hobbes, "De Civi", Plautus, "Asinaria -homo homini lupus").
Imagino a cabeça dos 600 frades franciscanos que levaram à catedral de Notre Dame os índios do Brasil para serem batizados por Luís 13. Aqueles seres nus, pobres, ingênuos. Os espanhóis levaram da América ouro e prata. Os franceses, só aquelas pobres almas entregues ao Diabo, para serem convertidas ao cristianismo e salvas para Deus.
Falo essas coisas para avaliar o espanto que ainda nos causam as descobertas. Não as desconhecidas, mas as renovadas, como as da China. A Xangai envolvida na penumbra do ópio e a de hoje, das Bolsas derrubando a economia no mundo inteiro. O Ano Novo chinês lunar, o país já tendo 460 milhões de celulares, registrou 14 bilhões de mensagens de felicitações, no sistema de torpedos. O mundo fica estreito para tanto afeto.
Tudo caminha. Mudando de um pólo a outro, a base de Kourou vai lançar naves espaciais tripuladas, e os russos fazem um acordo com os franceses para operar o Soyuz renovado -o famoso foguete que leva os astronautas russos desde 1967 e o nosso astronauta Marcos Pontes- aqui em nossas barbas.
E Alcântara, mais bem localizada que Kourou, dorme o sono da satisfação de nossa burrice. Recusamos os acordos internacionais e ficamos no ramerrame da xenofobia.
O Brasil tem que entrar nas tecnologias do futuro, senão seremos uma colônia cultural. Ou então mostrar nossos índios em Notre Dame e ainda pensar nas lendárias Amazonas de um seio só, mulheres guerreiras que só recebiam machos nas noites de lua, banhando-se num lago de ouro.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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