|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Asfalto selvagem
RIO DE JANEIRO - Um filme de
John Houston, creio que dos anos
50, tinha no original o título de
"Selva do Asfalto". No Brasil, virou
"O Segredo das Jóias" e foi, se não
me engano, o primeiro filme em
que Marilyn Monroe apareceu nos
créditos.
Era um policial. No final, um inspetor mostra o rádio que recebe as
mensagens das radiopatrulhas que
rondam a cidade. No painel central,
as luzes piscam, as vozes se sucedem, atropelamento na rua 18, homem espanca mulher na 22, um cadáver boiando no rio, briga numa
boate de travestis, mulher pedindo
socorro na ponte, assalto a mão armada na loja Macy's. E por aí vai.
De repente, o inspetor desliga o
painel e as luzes não piscam mais,
as vozes emudecem. O silêncio é total. Ele diz: "Se desligarmos essa joça, resta o silêncio. A selva de asfalto não faz nenhum ruído. Há assassinatos, roubos, estupros, suicidas,
a vida humana em seu limite de dor,
mas tudo está em silêncio, a selva
emudeceu, mas continua viva".
A internet tem alguma coisa a ver
com essa imagem de selva emudecida. Nós entramos nela e ficamos sabendo que fulano está traindo sicrano, que Andréia nos manda um
beijo e o PT acusa alguém de alguma coisa. Um sindicato reclama da
taxa de água em Florianópolis e
uma jovem acusa o patrão de assédio sexual. Antônio quer saber por
que não fiz isso ou aquilo, e João me
envia o seu exame de sangue, está
com Aids.
Desligo o computador. A tela escurece. Não emite nenhum ruído,
nenhuma imagem. Mas tudo continua acontecendo, encontros e desencontros, traições e dedicações,
deslumbramentos e decepções.
A tela continua apagada, escura,
não há notícia da selva misteriosa
onde a humanidade, por isso ou
aquilo, geme, goza, palpita e sofre,
mas tudo parece morto, tudo está
parado.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Pela saúde e pela vida Próximo Texto: Antônio Ermírio de Moraes: Boa surpresa, por enquanto Índice
|