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O Fundeb pode ser um desastre
Como está, o Fundeb traz grandes riscos de um enorme retrocesso no financiamento da educação básica no país
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PAULO RENATO SOUZA
O Senado Federal tem a oportunidade para aperfeiçoar a proposta
de emenda constitucional que cria o
Fundeb (Fundo de Desenvolvimento
do Ensino Básico), que, aprovado pela
Câmara, traz grandes riscos de um
enorme retrocesso no financiamento da
educação básica em nosso país.
Em recente audiência pública no Senado, mostrei que haveria enormes prejuízos para o ensino fundamental e para
a educação infantil. A versão aprovada
na Câmara tentou corrigir uma das críticas que havia feito ao projeto original
-a redução dos recursos para o ensino
fundamental.
Entretanto, a solução adotada reconhece a pertinência de minha crítica,
mas não resolve o problema. Em relação ao financiamento da educação infantil, piorou o que já era ruim no projeto do governo.
O Fundeb copia os mesmos mecanismos que deram certo no Fundef (Fundo
de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério),
criado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso: vincula recursos fiscais de Estados e municípios
ao ensino básico, redistribui esses recursos de acordo com o número de alunos nas redes estaduais e municipais
(agora nos três níveis da educação básica e na educação de jovens e adultos),
garante um valor mínimo nacional por
aluno para cada nível de ensino e assegura um percentual mínimo para o pagamento dos salários dos professores.
Entretanto, o Fundeb mistura os três
níveis da educação básica e da educação
de jovens e adultos em um só fundo comum e vincula a este um volume de recursos insuficiente para garantir o financiamento adequado para o número
de alunos que pretende beneficiar.
O Fundef foi responsável pela ampliação da taxa de escolarização das crianças e jovens de sete a 14 anos de idade de
87% para 97% em menos de cinco anos.
Isso se deveu a uma "competição" sadia
por alunos entre os Estados e os municípios. Quanto mais alunos nas escolas
estaduais ou municipais, maior a fatia
no bolo dos recursos do fundo. Os recursos totais eram fixados -15% das
arrecadações de Estados e municípios-, e o número potencial de alunos
também era conhecido. Por isso, sabíamos que o Fundef aumentaria os recursos para o ensino fundamental.
O Fundeb propõe ampliar o percentual comprometido -de 15% para
20%-, mas agrega um número imenso
e, pior, indeterminado de estudantes
para dividir o bolo total.
No caso do ensino fundamental, a
tendência futura será a diminuição do
número de alunos, pois este já supera o
de crianças e jovens de sete a 14 anos. Ou
seja, diminuirá sua parcela nos recursos
do fundo.
Para tentar resolver essa questão, a
Câmara aprovou um dispositivo que fixa como mínimo o valor por aluno no
ensino fundamental vigente no último
ano do Fundef. Entretanto, a solução
encontrada não resolve o problema,
pois garante apenas o valor nominal.
Com uma inflação anual de 5%, em cinco anos esse valor teria se reduzido em
mais de 30%, em termos reais.
Segundo a LDB, hoje estão reservados
10% dos recursos municipais para a
educação infantil como um todo. A proposta do Fundeb destina, na prática,
apenas 5% das receitas municipais para
esse nível educacional.
No projeto original do governo, incluía-se no Fundeb apenas a pré-escola,
silenciando sobre o tema da educação
de zero a três anos. Houve grande mobilização nacional de várias entidades para incluir as creches no Fundeb. O governo concordou, e a Câmara aprovou.
Entretanto não se mexeu no total de recursos vinculados ao fundo, ao mesmo
tempo em que se aceitou incluir um potencial de 13 milhões de crianças a mais
-número que corresponde às que hoje
não são atendidas pelas creches.
De duas uma: ou os cálculos implícitos nos estudos que serviram de base
para a formulação da proposta original
estavam incorretos ou o governo e a Câmara erraram ao não comprometer
mais recursos com o Fundeb.
Por último, o Fundeb inclui também
os alunos na educação de jovens e adultos na distribuição dos recursos entre
Estados e municípios.
No nosso país, 60% da população com
mais de 20 anos de idade não concluiu o
ensino fundamental, e 75% não terminou o médio. São 75 milhões de candidatos em potencial a freqüentar os cursos de jovens e adultos. Esse é um potencial de expansão das matrículas que
Estados e municípios mobilizarão com
intensidade variável.
Assim, a distribuição de recursos da
educação entre Estados e municípios
passará a contar com um elemento indeterminado, que fará com que os recursos disponíveis não tenham relação
com as responsabilidades de cada um
em relação à população de crianças e jovens de zero a 17 anos de idade.
O projeto aprovado pela Câmara tem
conserto. Basta introduzir mecanismos
que façam uma reserva de recursos para
cada um dos níveis de ensino considerados e que mantenham a distribuição
de responsabilidades entre eles de acordo com o que já está fixado em nossa
Constituição Federal.
Paulo Renato Souza, 60, é economista. Foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, gerente de Operações do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), reitor
da Unicamp (1986 a 90) e secretário da Educação
do Estado de São Paulo (governo Montoro).
paulo.renato@isd.org.br
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