São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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O Fundeb pode ser um desastre


Como está, o Fundeb traz grandes riscos de um enorme retrocesso no financiamento da educação básica no país

PAULO RENATO SOUZA

O Senado Federal tem a oportunidade para aperfeiçoar a proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico), que, aprovado pela Câmara, traz grandes riscos de um enorme retrocesso no financiamento da educação básica em nosso país.
Em recente audiência pública no Senado, mostrei que haveria enormes prejuízos para o ensino fundamental e para a educação infantil. A versão aprovada na Câmara tentou corrigir uma das críticas que havia feito ao projeto original -a redução dos recursos para o ensino fundamental.
Entretanto, a solução adotada reconhece a pertinência de minha crítica, mas não resolve o problema. Em relação ao financiamento da educação infantil, piorou o que já era ruim no projeto do governo.
O Fundeb copia os mesmos mecanismos que deram certo no Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério), criado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso: vincula recursos fiscais de Estados e municípios ao ensino básico, redistribui esses recursos de acordo com o número de alunos nas redes estaduais e municipais (agora nos três níveis da educação básica e na educação de jovens e adultos), garante um valor mínimo nacional por aluno para cada nível de ensino e assegura um percentual mínimo para o pagamento dos salários dos professores.
Entretanto, o Fundeb mistura os três níveis da educação básica e da educação de jovens e adultos em um só fundo comum e vincula a este um volume de recursos insuficiente para garantir o financiamento adequado para o número de alunos que pretende beneficiar.
O Fundef foi responsável pela ampliação da taxa de escolarização das crianças e jovens de sete a 14 anos de idade de 87% para 97% em menos de cinco anos. Isso se deveu a uma "competição" sadia por alunos entre os Estados e os municípios. Quanto mais alunos nas escolas estaduais ou municipais, maior a fatia no bolo dos recursos do fundo. Os recursos totais eram fixados -15% das arrecadações de Estados e municípios-, e o número potencial de alunos também era conhecido. Por isso, sabíamos que o Fundef aumentaria os recursos para o ensino fundamental.
O Fundeb propõe ampliar o percentual comprometido -de 15% para 20%-, mas agrega um número imenso e, pior, indeterminado de estudantes para dividir o bolo total.
No caso do ensino fundamental, a tendência futura será a diminuição do número de alunos, pois este já supera o de crianças e jovens de sete a 14 anos. Ou seja, diminuirá sua parcela nos recursos do fundo.
Para tentar resolver essa questão, a Câmara aprovou um dispositivo que fixa como mínimo o valor por aluno no ensino fundamental vigente no último ano do Fundef. Entretanto, a solução encontrada não resolve o problema, pois garante apenas o valor nominal. Com uma inflação anual de 5%, em cinco anos esse valor teria se reduzido em mais de 30%, em termos reais.
Segundo a LDB, hoje estão reservados 10% dos recursos municipais para a educação infantil como um todo. A proposta do Fundeb destina, na prática, apenas 5% das receitas municipais para esse nível educacional.
No projeto original do governo, incluía-se no Fundeb apenas a pré-escola, silenciando sobre o tema da educação de zero a três anos. Houve grande mobilização nacional de várias entidades para incluir as creches no Fundeb. O governo concordou, e a Câmara aprovou. Entretanto não se mexeu no total de recursos vinculados ao fundo, ao mesmo tempo em que se aceitou incluir um potencial de 13 milhões de crianças a mais -número que corresponde às que hoje não são atendidas pelas creches.
De duas uma: ou os cálculos implícitos nos estudos que serviram de base para a formulação da proposta original estavam incorretos ou o governo e a Câmara erraram ao não comprometer mais recursos com o Fundeb.
Por último, o Fundeb inclui também os alunos na educação de jovens e adultos na distribuição dos recursos entre Estados e municípios.
No nosso país, 60% da população com mais de 20 anos de idade não concluiu o ensino fundamental, e 75% não terminou o médio. São 75 milhões de candidatos em potencial a freqüentar os cursos de jovens e adultos. Esse é um potencial de expansão das matrículas que Estados e municípios mobilizarão com intensidade variável.
Assim, a distribuição de recursos da educação entre Estados e municípios passará a contar com um elemento indeterminado, que fará com que os recursos disponíveis não tenham relação com as responsabilidades de cada um em relação à população de crianças e jovens de zero a 17 anos de idade.
O projeto aprovado pela Câmara tem conserto. Basta introduzir mecanismos que façam uma reserva de recursos para cada um dos níveis de ensino considerados e que mantenham a distribuição de responsabilidades entre eles de acordo com o que já está fixado em nossa Constituição Federal.


Paulo Renato Souza, 60, é economista. Foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, gerente de Operações do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), reitor da Unicamp (1986 a 90) e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).
paulo.renato@isd.org.br


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