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TENDÊNCIAS/DEBATES
Nome aos bois
CÁSSIO SCHUBSKY
Para que servem os nomes das ruas, praças, rodovias, enfim, dos logradouros públicos ou dos prédios governamentais
PARA QUE servem os nomes das
ruas, das praças, das rodovias,
enfim, dos logradouros públicos
ou dos prédios governamentais, e
também das obras de arte (como são
chamadas certas edificações, caso dos
viadutos)?
Em primeiro lugar, evidentemente,
como referência de localização. Em
segundo, muitas vezes, como homenagem a pessoas físicas e jurídicas,
personalidades e instituições. E, em
terceiro lugar, para preservar a memória sobre os homenageados, para
que não caiam no esquecimento.
Em relação à primeira função, é de
extrema valia -o nome ajuda na localização, mesmo que se refira a uma
flor ou a um bicho, e não se fala mais
nisso. No que tange à segunda, ou seja,
homenagear, aí é que a porca, muitas
vezes, entorta o rabo -embora isso
aconteça mais no meio rural, onde a
bichinha, aclimatada ao seu habitat,
está pouco se lixando para placa de
rua nos centros urbanos.
Agora, deixando a porca de lado, o
fato é que a confusão começa, mesmo,
quando se quer homenagear as pessoas, enfim, puxar um saquinho daqui
e outro dali. Vejamos um caso emblemático. O do famigerado Minhocão.
Já não bastasse a obra ser de um
mau gosto concreto (e bota concreto
nisso), ainda por cima (e bota por cima nisso) acabou com o sossego dos
que moram ou andam na avenida São
João, um caso internacional de como
produzir poluição visual e sonora para aliviar o trânsito (dos mais ricos,
pois ali ônibus não passa, nem pedestre ou bicicleta -só quando fecha, aos
domingos, e vira praça sem verde).
Como é o nome da engenhoca? Elevado Costa e Silva. Elevado? Pô, mas
não bastava dar o nome de um tirano,
do general do ato institucional número 5, ainda tinha de chamar o monstrengo de "elevado"? Embora ele não
mereça ser nome nem de viela (ele e o
Videla, aquele outro ditador, lá da Argentina), seria mais adequado, em
termos semânticos e históricos, escolher outro local. Que tal "marginal"
Costa e Silva?
E a mania, então, de dar nome de
bandeirante para rodovia paulista? A
começar da rodovia dos Bandeirantes. E tem também a Anhanguera, a
Raposo Tavares, a Fernão Dias. Sim,
sei, eles rasgaram nossas fronteiras,
garantiram a posse das terras, descobriram riquezas. Mas e a matança indiscriminada de índios que promoveram, onde é que fica? Quase todo
mundo esquece (quando sabe...) e só
se refere a eles como a um panteão de
heróis. E a estradinha mais mixuruca,
que nome tem? Tamoios! Não é nada,
não é nada... não é nada mesmo.
Imagine só como seria bom morar
numa São Paulo em que você pudesse
pegar a avenida Adoniran Barbosa,
depois desembocar no viaduto Luiz
Gama (o advogado dos escravos), para
prosseguir pela rodovia Vladimir
Herzog.
Ou então caminhar livremente por
aí, saindo da alameda Cândido Portinari, entrando no túnel Revolta da
Chibata e atravessando a passarela
Luís Carlos Prestes (ou passarela Cavaleiro da Esperança) para chegar na
praça Clarice Lispector e entrar no
edifício Evandro Lins e Silva.
Mudando de assunto, mas só de leve: trocar o nome, pode? Por exemplo, risca o Costa e Silva e escreve assim: elevado deputado Rubens Paiva.
Que beleza. Pode, sim. Aqui, no papel,
nada é proibido.
E o terceiro lugar? "Que terceiro lugar", pergunta o leitor esquecido. O
terceiro lugar na função das placas, do
segundo parágrafo, lá no começo,
lembra? Ou seja, "preservar a lembrança dos homenageados, para que
não caiam no esquecimento".
Teoricamente, o nome serve para
preservar. Mas é interessante como
há homenagens a ilustres desconhecidos. Por exemplo: na Pompeia tem a
rua padre Chico. Menção a um sacerdote conhecido da população do bairro, um líder religioso da paróquia?
Talvez não. Suspeito que seja referência a um personagem do século 19,
muito popular na Pauliceia da época,
o mesmo padre Chico que cuidou de
Castro Alves, depois que o poeta dos
escravos deu um tiro acidental no
próprio pé, durante uma caçada na região do Brás.
Mudando de pato para ganso, René
Thiollier, ativista cultural, ainda merece homenagem à altura, em uma
grande praça.
Por fim, recorro de novo à porca,
que volta a entortar o rabicho. Porque
o que falta é informação. Algo fácil de
resolver. Outro dia, perambulando
pela cidade maravilhosa, observei
certas ruas com identificação básica
sobre o homenageado, em letras pequenas, ao pé da placa. Algo assim: rua
Vinícius de Moraes -poeta, compositor, diplomata.
São Paulo e todo mundo podem copiar o Rio. Que tal começar pelo elevado Costa e Silva? Minicurrículo: ditador, promoveu a tortura e o extermínio de presos políticos.
CÁSSIO SCHUBSKY, 44, editor e historiador, é organizador do livro "Castro Alves e seu Tempo", de Euclides da
Cunha (Lettera.doc e Associação dos Antigos Alunos da
Faculdade de Direito da USP).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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