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São Paulo, sexta-feira, 02 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A mídia e o combate à exclusão social

ODED GRAJEW

Todos sabemos o poder que a mídia tem. Reportagens, notícias, entrevistas, editoriais, colunas, imagens, propagandas e mensagens impactam profundamente a opinião e o comportamento das pessoas, bem como a agenda e a escolha das prioridades da população. Não é à toa que se gasta tanto em propaganda, porque se sabe de sua influência sobre as opções e os atos dos consumidores e dos eleitores. Governos, empresas, associações, sindicatos, partidos políticos, organismos internacionais, agentes culturais e artísticos investem fortunas em programas tentando influenciar a mídia a seu favor.
A comunicação pode decidir eleições, a competição entre empresas ou as guerras. A mobilização por meio da mídia pode arrastar milhões para a guerra ou a paz. Nesse sentido, notícias e reportagens podem provocar literalmente a morte de pessoas ou salvar vidas.
Somos todos seres políticos dotados da liberdade de escolha. Podemos agir de várias formas diferentes, escolher fazer diferentes coisas. Na maioria das vezes, nem paramos para pensar nas escolhas que estão ao nosso alcance. O alucinante ritmo do dia-a-dia, a expectativa que os outros têm da gente, a pressão social do grupo, da moda, do "politicamente correto", do socialmente valorizado e aceitável acabam reduzindo enormemente nossa capacidade de avaliar e fazer escolhas que, pessoalmente, seriam as mais corretas e desejáveis.
O Brasil é um país com péssimos indicadores sociais. Do meu ponto de vista, o pior indicador brasileiro é a distribuição de renda, das riquezas e da desigualdade social. Somos, tristemente, os campeões mundiais. Ao mesmo tempo em que há milhões de brasileiros vivendo na pobreza e na miséria, temos enormes recursos (financeiros, econômicos, tecnológicos, conhecimento, tempo, cultura de solidariedade) que poderiam ser colocados a serviço da eliminação da pobreza. Todos os recursos necessários para promover a inclusão social, que é o grande objetivo do programa Fome Zero, estão aqui, em nosso país.
O que falta é escolher o combate à pobreza como nossa prioridade maior (dos governos e da sociedade) e competência para que os recursos disponíveis cheguem àqueles que deles desesperadamente necessitam. Por exemplo, se cada empresa investisse em média num jovem desempregado de baixa renda, assegurando a ele uma remuneração e a continuidade dos seus estudos, toda a juventude pobre brasileira, tão ameaçada pela marginalidade, teria uma oportunidade de inserção social.
Promover a inclusão social deveria ser a maior prioridade do nosso país. E é neste momento que o papel da mídia -que, repito, tem o poder de agendar a sociedade, de eleger prioridades e provocar atitudes- se torna fundamental. Tudo é uma questão de escolha. A mídia, com justa razão, escolheu os horríveis atentados de Nova York como um grande assunto. Como consequência, imensos recursos foram e estão sendo mobilizados, alguns de boa-fé e outros oportunistas e manipuladores, para combater o terrorismo.


Todos os recursos necessários para promover a inclusão social estão aqui, em nosso país


Vocês já imaginaram o que aconteceria, no mundo e no Brasil, se a mídia dedicasse, no mínimo, o mesmo espaço às 30 mil crianças abaixo de cinco anos -com rostos e nomes- que morrem diariamente de fome no mundo (500 só no Brasil)? Quanto espaço a mídia dedica a essa tragédia diária e quanto deveria dedicar? Quanto foi noticiado a esse respeito nos recentemente?
A persistência e o agravamento dos problemas sociais no Brasil ao longo de tantos anos deveriam nos ensinar que não podemos continuar com as posturas de sempre. Algo de radicalmente novo precisa acontecer: um basta à conformidade com essa realidade. Se todos os dias tivéssemos, sobre o combate à pobreza e a promoção da inclusão social, e na intensidade que o problema exige, notícias, denúncias, reportagens, campanhas, artigos, matérias contando ações exemplares que pudessem ser multiplicadas e incentivos, certamente a nossa realidade social seria completamente diferente (fazendo apenas críticas, espalhamos o ceticismo e o desânimo; apenas elogiando, mascaramos os problemas).
Não haveria nos governos, nos Parlamentos, no Judiciário e na sociedade civil nenhuma pessoa que não tivesse prioridade maior do que saciar a fome de milhões de brasileiros e que não procurasse agir para apagar essa vergonha nacional. Se o combate à fome e à pobreza fosse o balizador das nossas escolhas, se cada empresa e cada profissional de mídia se perguntasse diariamente se aquilo que está fazendo ajuda ou dificulta essa tarefa e procurasse contribuir da melhor forma possível, daria um sentido ao seu trabalho e à sua vida.
E teríamos, a exemplo das Diretas-Já ou do impeachment do Collor, o movimento irresistível da "Justiça Social Já" e o impeachment da fome.


Oded Grajew, 58, idealizador do Fórum Social Mundial e presidente licenciado do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, é assessor especial do presidente da República.


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