|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Primeiro de Maio: o ofício e o benefício
ELISEU GABRIEL
Os trabalhadores de todo o
mundo comemoram no dia 1º de
Maio a consolidação de suas conquistas
ao longo de séculos de lutas.
A implantação de um regime socialista na Rússia, no início do século 20, acabou acelerando, em muitos países, conquistas operárias como a jornada de trabalho limitada, férias, aposentadoria
garantida, assistência médica e outras.
No Brasil, Getulio Vargas mudou a vida dos trabalhadores porque ergueu um
projeto sociopolítico e econômico que
libertou o povo brasileiro do atraso e do
desprezo cultural das elites pelos que
trabalhavam, herança maldita da escravidão, abolida poucas décadas antes. Ele
cunhou uma frase simples, direta:
"Quem tem ofício tem benefício".
Essa frase expressou, ao longo de 19
anos, a essência da postura de seu governo com relação aos trabalhadores.
É de Getulio a exigência do salário mínimo, que era calculado levando em
conta o custo mínimo necessário para
sustentar o trabalhador e sua família.
Aliás, isso é constitucional mas, parece,
ninguém liga. Também garantiu a estabilidade no emprego, jornada de trabalho limitada, férias remuneradas, aposentadoria. A carteira de trabalho é, ainda hoje, o principal símbolo de conquista do trabalhismo. Ironicamente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e seus porta-vozes disseram que
iriam acabar, de vez, com a "era Vargas", mas o seu candidato à sua sucessão usou a carteira de trabalho como
símbolo de campanha eleitoral.
A elaboração e a implantação da legislação trabalhista teve a participação decisiva de líderes trabalhistas notáveis,
como Alberto Pasqualini e Salgado Filho.
Após a queda do muro de Berlim, seguida da fúria avassaladora do neoliberalismo e do culto ao "deus" mercado,
assiste-se, em toda parte, a tentativas de
destruir as legislações trabalhistas que
asseguram os direitos dos trabalhadores. Manifestações dos sindicatos europeus colocaram milhões de pessoas nas
ruas de Roma, Madri, Berlim, Paris.
No Brasil, FHC tentou tirar vários direitos constantes da CLT e declarou, como já acima afirmado, que sua missão
era demolir o que Getulio havia deixado. Não conseguiu. Só mostrou que o
que foi implantado no país pelos trabalhistas precisava ser mantido.
Não podemos sucumbir à idéia de que
os direitos trabalhistas limitam os empregos. Os que achavam isso deram
com os burros n'água. Países ditos
emergentes que impuseram essa receita
ao seu povo não conseguiram diminuir
o desemprego e, pior, aprofundaram a
concentração de riqueza e humilharam
seus trabalhadores. Quem quer e precisa trabalhar para comer parece que, hoje em dia, é um estorvo. Para quê benefício, se não existe ofício?
Não há o que fazer se não buscarmos
prioritariamente formas de estímulo à
produção e ao crescimento econômico.
Entendemos que o Brasil precisa de reformas, mas o que está sendo proposto, ou o que se ameaça propor, é um escárnio
|
São o crescimento econômico quase
nulo e os mecanismos concentradores
de riqueza, não controlados pelo poder
público, que têm levado nosso país ao
atual estágio de desemprego, ao encolhimento do mercado interno, à miséria, à violência, à exclusão social. Não é
cortando benefício dos que ainda têm
ofício que vamos resolver a situação.
Lula foi eleito pela idéia do trabalho,
pela idéia das conquistas trabalhistas,
pelo que ficou no "inconsciente imaginário" do povo brasileiro em relação ao
respeito pela produção, pelo progresso,
pela pátria. De certo modo, nesta última
eleição, Lula encarnou Getulio Vargas.
Este, além de lutar pelos direitos trabalhistas, tomava providências para gerar
empregos.
O voto em Lula carregou a esperança
de mudanças na área econômica necessárias ao crescimento. São poucos meses, entendemos, mas nada nem sequer
parecido com isso está acontecendo. As
medidas tomadas até agora só garantem o pagamento dos juros aos bancos.
Entendemos que o Brasil precisa de reformas, mas o que está sendo proposto,
ou o que se ameaça propor, é um escárnio. A reforma previdenciária prevê, entre outras coisas, a cobrança dos inativos. Inaceitável.
Fala-se em cortar despesas e não há
nenhuma linha sobre as receitas. Onde
está o dinheiro da Previdência utilizado
para os mais distintos fins por vários
governos ao longo dos anos? O que se
diz das receitas do INSS sonegadas, entre outras, por empresas terceirizadas
que prestam serviços a órgãos públicos?
Só algumas empresas de transporte que
operam na cidade de São Paulo sonegaram R$ 2 bilhões, o que representa 20%
de todo o Orçamento da cidade. Tampouco se estão revendo as isenções dadas a determinadas entidades das áreas
de ensino e saúde. Os bancos quase não
pagam contribuição sobre os lucros.
Enfim, nós, que o apoiamos no segundo turno, ainda esperamos que Lula se
preocupe mais em providenciar ofícios
e menos em cortar benefícios.
Eliseu Gabriel, 55, físico, é vereador, pelo PDT,
na Câmara Municipal de São Paulo.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Oded Grajew: A mídia e o combate à exclusão social Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|