São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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POLÍTICA PARA O MÍNIMO

Depois de uma série de reuniões, consultas, marchas e contramarchas, fatos que apenas realçaram o grau de improviso que antecedeu a decisão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o salário mínimo passará a valer R$ 260. O aumento real foi de 1,2%. Frustraram-se as expectativas de milhões de trabalhadores e daqueles que vêem no mínimo um instrumento valioso de promoção social e de redução das desigualdades.
Quando de sua criação, preocupações dessa ordem norteavam os debates a respeito dos valores a serem estabelecidos. Mas, já a partir da década de 60, o mínimo passou a merecer outro tipo de enfoque dos governantes. Durante o ciclo militar, não apenas a sensibilidade social ficou em segundo plano como a política salarial passou a ser crescentemente equacionada tendo em vista o combate à inflação. Dentro dessa ótica, a definição do mínimo já não mais se subordinava a questões como as necessidades básicas de um trabalhador ou a redução da pobreza. O que se indagava era até que ponto o aumento geraria ou não inflação.
Mais recentemente, conquistada a estabilidade da moeda, a questão do salário mínimo passou a ser emoldurada por uma nova urgência do Estado brasileiro: o ajuste fiscal. Como a Constituição de 1988 vinculou os benefícios de aposentados ao mínimo, os aumentos tornaram-se uma ameaça ao equilíbrio das contas públicas, num contexto de alto endividamento e de escassez de recursos.
O resultado desse processo é a queda de poder aquisitivo verificada ao longo da história. É fato que, no período que antecedeu o regime militar, o mínimo foi muitas vezes utilizado de forma insustentável para dar substância a políticas populistas. Mesmo sendo assim, os números impressionam: de um pico de R$ 1.036,10, em 1957 (valores atualizados), chegou-se aos atuais R$ 260.
Nas explicações que vieram à tona para justificar a decisão do presidente Lula, foram mencionados justamente a responsabilidade fiscal e o risco de inflação. Nada, porém, foi apresentado em relação a políticas a serem adotadas pelo governo petista com o intuito de elevar o salário mínimo ao longo do tempo. Tudo indica que, no ano que vem, mais uma vez a improvisação irá dar o tom na definição do aumento.
Qualquer governo -e mais ainda o atual, que presumivelmente teria preocupações sociais- deveria sentir-se obrigado a apresentar à sociedade suas diretrizes para o salário mínimo. Lamentavelmente, o que se tem observado são blefes e promessas de ocasião inviabilizados pelas restrições fiscais.
É preciso revalorizar as premissas que embasavam a idéia original, estabelecer metas de aumento e criar os mecanismos para que elas possam ser acompanhadas e cumpridas. E parece claro que a espinhosa questão da vinculação com as aposentadorias terá de ser repensada numa perspectiva que diferencie o mínimo do mercado de trabalho daquele adotado pelo INSS. Infelizmente, não se vê no atual governo nada que indique uma mudança substancial no tratamento dessa questão.


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