São Paulo, terça-feira, 02 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Voto aberto e prestação de contas

CLÁUDIO GONÇALVES COUTO

Em seu artigo nesta Folha em 26 de abril último, meu estimado professor Fábio Wanderley Reis muito propriamente criticou a noção de que os parlamentares devam, sem mais, submeter-se aos clamores da "opinião pública" em suas decisões. Apontou ele que a defesa contra tais pressões é que justifica a instituição do voto secreto, conferindo aos indivíduos o direito de decidir livremente de qualquer tipo de constrangimento. Isso explicaria o direito a decidir em segredo que têm os cidadãos e, por extensão, valeria também para os parlamentares. É quanto a este último ponto que pretendo aqui expressar minha discordância.


Ao ter de revelar comovota, o parlamentar se vêobrigado a explicar aseus eleitores o porquêde suas ações


Fábio Wanderley Reis argumenta que a negação ao parlamentar do direito ao voto secreto implica o entendimento de que a relação entre representantes e representados se dá com base num "mandato imperativo", pois, ao ter de revelar seu voto, o legislador se vê obrigado a fazer sempre o que, circunstancialmente, desejam os eleitores. Isso não é verdadeiro. A implicação do voto secreto não é o "mandato imperativo", mas, sim, a prestação de contas. Ao ter de revelar como vota, o parlamentar se vê obrigado a explicar a seus eleitores o porquê de suas ações.
Portanto, muito embora seja política e moralmente correta a suposição de que não existem razões para que os parlamentares se submetam acriticamente à "opinião pública", ou a qualquer tipo de clima de opinião reinante, daí não decorre que não devam se submeter ao escrutínio público de seus atos. E isso ocorre porque, ao contrário dos eleitores, os parlamentares não agem em causa própria, mas em causa pública. Justamente por não serem detentores de um mandato imperativo, são livres para decidir da forma que considerarem adequada; todavia isso não implica que possam decidir de forma irresponsável, sem ter de prestar contas da forma como agem.
Além desta distinção fundamental entre eleitores e eleitos -uns expressam sua própria vontade, outros expressam uma representação da vontade alheia- , há também uma importante diferença entre ambos relativa ao poder de cada um. Enquanto os cidadãos, individualmente, possuem uma parcela diminuta de poder, que justifica sua proteção contra todo tipo de pressão que sobre eles se possa exercer no momento do voto (de seus empregadores, familiares, chefetes locais etc.), os parlamentares são detentores de uma parcela do poder de Estado.
Portanto, imbuídos que estão de uma parcela da autoridade pública -que, no limite, se exerce pelo recurso à coerção-, os legisladores não são tão frágeis a ponto de necessitarem de resguardo contra pressões de poderosos para o exercício de seu próprio papel no Estado. E, se algum tipo de intimidação física houver, a solução para tal problema passa pelo oferecimento de garantias de proteção, não pelo exercício oculto da atividade representativa. Se, no passado, se defendeu o voto secreto para a cassação de parlamentares usando do argumento de que era necessário proteger os legisladores-julgadores das pressões, o equívoco já se fazia presente desde antes.
Por fim, cabe levar em conta o problema do corporativismo. O voto secreto pode de fato ser um elemento que livre o parlamentar judicioso tanto das pressões de seus pares para que punições não ocorram como da "sede de sangue" por parte da "opinião pública". Mas isso ocorre ao custo, já apontado, de tornar irresponsável a representação. Representantes que não sejam capazes de justificar publicamente o porquê de seus atos não estão à altura da responsabilidade que receberam de seus eleitores e, neste caso, o melhor mesmo seria transferir do Legislativo ao Judiciário o julgamento sobre a quebra de decoro. Todavia, estaríamos aí reconhecendo a incompetência dos parlamentares para tomar decisões difíceis e apresentando como solução para isso a transferência delas para um corpo supostamente mais competente -os tribunais. Será isso bom para a democracia? Não se estaria criando um grave precedente para outras situações, já que juízes não são eleitos?
Vale lembrar que ao menos em um dos casos recentes de parlamentares acusados de envolvimento no mensalão, o de Sandro Mabel (PL-GO), o parecer do Conselho de Ética foi por sua absolvição. Contra ele não havia outras provas que não a acusação de uma deputada estadual goiana. Diante da falta de evidências, o relator de seu processo não encontrou dificuldades em justificar seu parecer pela absolvição do deputado, o que acabou por se concretizar na votação aberta dos membros do Conselho de Ética. Nesse episódio, ninguém falou em "pizza", pois era perfeitamente justificável publicamente que todos agissem como agiram, sem ter de esconder-se de seus eleitores, da mídia ou da "opinião pública".
Creio que temos aí um bom exemplo de como é possível conciliar transparência e responsabilidade pública dos representantes sem que isso acarrete o risco de uma tirania das opiniões generalizadas. Por que não expandir a experiência?

Cláudio Gonçalves Couto, 36, cientista político, é professor do Departamento de Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC/SP e pesquisador visitante na Universidade de Columbia (EUA) como bolsista da Capes.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Cesar Maia: Por que a Rocinha?

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.