|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A TV Justiça deveria parar de transmitir ao
vivo as sessões do Supremo Tribunal Federal?
SIM
A TV Justiça e o seu papel
CARLOS VELLOSO
FUI UM dos incentivadores da TV
Justiça. É que entendia e entendo que a televisão pode prestar
bons serviços ao tribunal, mostrando
como a casa trabalha.
Não há, no universo das repartições
públicas brasileiras, outra instituição
pública em que se trabalhe tanto e
com tanto espírito republicano. E é
importante a divulgação dos grandes
momentos da corte, que poderia e pode prestar, sob esse aspecto, bons serviços aos jurisdicionados, aos operadores e aos estudiosos do direito.
Instalada a televisão, embora não
consultado, manifestei, informalmente, o meu inconformismo com a
transmissão ao vivo dos julgamentos.
Sustentava e sustento que a transmissão deve ser realizada depois de
editado o programa e afastado o que
não é interessante sob o ponto de vista jurídico. Os relatórios, por exemplo, costumam ser enfadonhos. Num
programa editado, eles poderiam ser
resumidos e conter o essencial à compreensão da matéria.
E os grandes momentos dos debates, é dizer, as discussões das questões
jurídicas, das questões constitucionais, inclusive das sustentações orais
do procurador-geral e dos advogados,
poderiam ser selecionados.
Já naquela época dizia eu que o tribunal se compunha, como hoje se
compõe, de juízes de personalidades
fortes. São 11 vontades de homens e
mulheres de notável saber jurídico.
Mas são 11 vontades de seres humanos, e não de anjos. De quando em
vez, as discussões podem tornar-se
acaloradas.
Ora, não é bom para a corte, que deve ministrar lições de equilíbrio e
concórdia para todo o Judiciário,
mostrar ao vivo exaltações de algum
ou alguns de seus membros.
O STF sempre foi cenário de discussões, por vezes ásperas, entre os
ministros. Elas ficavam, no entanto,
no âmbito da casa. Os advogados presentes à sessão delas tomavam conhecimento, mas compreendiam que
não ocorriam por mal. E, terminado o
julgamento, os juízes se cumprimentavam e as divergências acabavam ali.
Ultimamente, entretanto, com a
transmissão ao vivo, acalorados debates têm sido postos aos olhos de quem
não é do ramo e que, por isso mesmo,
não os compreende, o que resulta em
detrimento do prestígio do tribunal e
do Poder Judiciário.
Não conheço outro país em que haja transmissão ao vivo de sessões de
seus tribunais. Na Suprema Corte
norte-americana, que os pais da República tomaram como padrão para o
Supremo Tribunal Federal, as discussões ocorrem em sessões reservadas.
E nos julgamentos públicos não se
permitem nem fotografias.
De uma feita, visitando, com um
grupo de juízes brasileiros, o Supremo Tribunal de Justiça espanhol,
quando o presidente do tribunal nos
falava sobre o seu funcionamento, esclarecendo que os debates se faziam,
de regra, em sessão reservada, um dos
nossos juízes pediu a palavra e informou que as sessões da corte suprema
brasileira eram televisionadas. O presidente mostrou-se surpreso, indagando-me se confirmava o que fora
declarado. Diante da resposta afirmativa, ele pareceu não compreender o
inusitado, para ele, da informação.
É que os tribunais regem-se por
normas graves, que vêm de longe, no
tempo e no espaço, marcadas pela
austeridade.
Expor debates da corte na TV Justiça é excelente, mas depois de editados, como acontece com os grandes
programas de televisão. Ao vivo, não
me parece bom.
A sociedade espera dos juízes comportamento moderado, equilibrado.
Todavia, vale repetir, os juízes são seres humanos, não são anjos e estão
sujeitos a exasperações nem sempre
bem compreendidas pelo homem comum. Pessoas, muita vez movidas por
posições ideológicas, tomam partido
em favor de um ou de outro dos juízes, vulgarizando o debate judicial.
Levemos à sociedade as discussões
jurídicas que ocorrem no Supremo
Tribunal Federal e que consubstanciam lições notáveis. Elas são muitas.
Vamos tratar melhor a corte suprema
brasileira. Ela, cuja história se confunde com a história da República,
bem que merece.
CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, 73, professor
emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC-MG
(Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), foi
presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). É autor do livro "Temas de
Direito Público".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Gustavo Binenbojm: A Justiça na TV
Índice
|