São Paulo, terça-feira, 02 de junho de 2009

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MARCOS NOBRE

Estranha calmaria

HÁ UMA ESTRANHA calmaria no ar. Acabaram as sessões de fotos de presidentes consternados. Os banqueiros de Davos não se preocupam mais em fazer penitência para sua plateia.
Não se tem mais notícia da "nova regulação do sistema financeiro mundial".
Economistas liberais discutem o futuro como se a crise fosse apenas um meteoro que passou de raspão pelo planeta. No fundo, importa pouco que acertem ou não suas previsões. Não precisam acreditar nos modelos que utilizam. Basta que façam seus cálculos segundo uma mesma modelagem mental.
Isso torna o jogo econômico previsível, calculável. O que é essencial quando não se tem ideia de quantos milhares de operações financeiras podem existir entre quem dá e quem toma o crédito.
O que chama a atenção é que essa unidade prática não sofreu abalo com a crise. Nem a modelagem nem a política fiscal e monetária que dela se seguem estão de fato em questão. Se o mundo teima em não seguir o modelo, há que ter paciência e esperar que volte a se comportar como deve. Como na química, nada se perde, tudo se transforma. Dívida privada se transforma em dívida pública. E estamos conversados.
A ciência econômica se tornou a principal técnica de governo porque se tornou o principal instrumento para estabilizar expectativas. A liberalização financeira criou um mercado global que só parcialmente pode ser regulado pelo direito ou pelo Estado. A verdadeira governança global é realizada cotidianamente por um consenso forçado sobre como deve funcionar a economia.
Não por acaso, foi no auge do que se chamou no século passado de globalização que foi criado o sistema de metas de inflação. Trata-se de um gigantesco "conversor de expectativas". No momento, a continuidade do sistema nem sequer está em questão. Apesar de a crise ter mostrado quanto o consenso econômico forçado é frágil como estabilizador de expectativas.
Os desvarios liberais do século 19 produziram riqueza e miséria sem precedentes. Toda a primeira metade do século 20 foi dedicada a tentativas trágicas e muitas vezes assustadoras de lidar com essa herança.
O retorno triunfal do liberalismo nas últimas décadas do século 20 mostra uma vez mais o seu alto custo social e político. A inestimável vantagem histórica do momento atual em relação àquele primeiro tsunami liberal é o aprofundamento da democracia de massas.
Em uma democracia, os modelos econômicos têm de conseguir convencer bem mais do que os operadores da economia. Do contrário, a calmaria pode bem deixar de ser pasmaceira.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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