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MARCOS NOBRE
Estranha calmaria
HÁ UMA ESTRANHA calmaria no ar. Acabaram as sessões de fotos de presidentes
consternados. Os banqueiros de
Davos não se preocupam mais em
fazer penitência para sua plateia.
Não se tem mais notícia da "nova
regulação do sistema financeiro
mundial".
Economistas liberais discutem o
futuro como se a crise fosse apenas
um meteoro que passou de raspão
pelo planeta. No fundo, importa
pouco que acertem ou não suas
previsões. Não precisam acreditar
nos modelos que utilizam. Basta
que façam seus cálculos segundo
uma mesma modelagem mental.
Isso torna o jogo econômico previsível, calculável. O que é essencial
quando não se tem ideia de quantos milhares de operações financeiras podem existir entre quem dá
e quem toma o crédito.
O que chama a atenção é que essa
unidade prática não sofreu abalo
com a crise. Nem a modelagem
nem a política fiscal e monetária
que dela se seguem estão de fato
em questão. Se o mundo teima em
não seguir o modelo, há que ter paciência e esperar que volte a se
comportar como deve. Como na
química, nada se perde, tudo se
transforma. Dívida privada se
transforma em dívida pública. E
estamos conversados.
A ciência econômica se tornou a
principal técnica de governo porque se tornou o principal instrumento para estabilizar expectativas. A liberalização financeira
criou um mercado global que só
parcialmente pode ser regulado
pelo direito ou pelo Estado. A verdadeira governança global é realizada cotidianamente por um consenso forçado sobre como deve
funcionar a economia.
Não por acaso, foi no auge do que
se chamou no século passado de
globalização que foi criado o sistema de metas de inflação. Trata-se
de um gigantesco "conversor de expectativas". No momento, a continuidade do sistema nem sequer está em questão. Apesar de a crise ter
mostrado quanto o consenso econômico forçado é frágil como estabilizador de expectativas.
Os desvarios liberais do século 19
produziram riqueza e miséria sem
precedentes. Toda a primeira metade do século 20 foi dedicada a
tentativas trágicas e muitas vezes
assustadoras de lidar com essa herança.
O retorno triunfal do liberalismo
nas últimas décadas do século 20
mostra uma vez mais o seu alto
custo social e político. A inestimável vantagem histórica do momento atual em relação àquele primeiro tsunami liberal é o aprofundamento da democracia de massas.
Em uma democracia, os modelos
econômicos têm de conseguir convencer bem mais do que os operadores da economia. Do contrário, a
calmaria pode bem deixar de ser
pasmaceira.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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