São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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ALBA ZALUAR

Idéias no lugar

IDÉIAS SÃO ALIMENTO para o intelecto, mas também para a alma. Algumas destroem a vontade de agir em prol do bem comum, para além dos grupos de interesse fechados, outras a motivam.
Há também as idéias que analisam tais idéias mobilizadoras. Uma das mais respeitadas é a de Robert Putnam a respeito do efeito diverso de solidariedades verticais, baseadas na hierarquia, e de horizontais, baseadas na reciprocidade generalizada entre iguais. Estas últimas estimulariam a cultura cívica, ou seja, a capacidade de participar na solução dos problemas coletivos por criarem associações igualitárias de vários tipos na população de uma cidade ou país. Assim ele explica por que se deu mais crescimento econômico e uma organização política mais democrática onde a cultura cívica é encontrada.
O que atrapalha a difusão desta cultura é a segmentação da sociedade em clientelas ou em camadas hierárquicas que não se comunicam nem se ligam entre si. A hierarquia, diz ele, estimula a arrogância e o abuso do poder no superior, assim como a omissão de informações e a desconfiança do inferior. E inibe a virtude cívica, a responsabilidade social e a mútua assistência entre iguais.
Essa falta de cultura cívica vale para todo o Brasil, segmentado em clientelas e facções políticas e regionais.
No que se refere à segurança pública, o trabalho de polícia nas democracias consolidadas exige a participação da sociedade. Exige também a comunicação entre as várias polícias, departamentos, corporações e níveis burocráticos.
Por isso é preciso analisar como a história institucional das corporações pode criar inércias e obstáculos à mudança não só dos regulamentos formais mas da prática cotidiana dos policiais em suas respectivas corporações. Esta é a mais difícil de ser mudada, por ser a mais entranhada no psiquismo dos policiais.
O Código Penal Militar tem dois artigos que podem explicar por que as PMs do Brasil matam tantos civis e por que tantos policiais militares são mortos em ação. Neles, a pena de morte é legítima e pode ser realizada em ação de guerra, sem julgamento militar, no caso de traição e, claro, em confronto com o inimigo. O grande número de mortos em ações repressivas nega os princípios do uso da força em nações democráticas onde há respeito aos direitos do cidadão.
O regulamente militar que estimula o corporativismo e a lealdade dentro de cada nível hierárquico, mas não entre eles, pode explicar a dificuldade no fluxo de informações e ações cooperativas, tão necessário nas polícias modernas que combatem eficazmente o crime organizado.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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