São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Dengue, uma oportunidade perdida

ADIB D. JATENE


O desejo maior é que se consiga a regulamentação da emenda 29 o quanto antes para que não se perca mais uma oportunidade


DE NOVO a população vem sendo alertada e sofrendo com o cíclico aumento do número de casos de dengue, inclusive na sua forma hemorrágica, com eventos fatais.
Em 1995, tão logo assumimos o Ministério da Saúde, mobilizamos a estrutura do Ministério e convocamos especialistas -desde a área de entomologia até a de desenvolvimento de recursos humanos e legislação de suporte-, em um total de nove áreas específicas, que mobilizou mais de 60 profissionais altamente qualificados que elaboraram um plano de erradicação do Aedes Aegypti em contraposição à estratégia de controle, até então utilizada no combate à dengue.
Foi necessário, inclusive, discutir na Organização Pan-Americana de Saúde a inclusão dos demais países das Américas, envolvendo suas autoridades sanitárias, para livrar o continente desse vetor com hábitos domiciliares. Esse projeto envolvia os três níveis de governo, com forte mobilização da sociedade em seus diferentes extratos.
À época, casos de dengue hemorrágica eram ainda raros, mas os especialistas alertavam para o seu inexorável crescimento, o que de fato ocorreu. Em 2002, entre os mais de 794 mil casos ocorridos em 3.600 municípios, a forma hemorrágica esteve presente em 2.714 casos, com 150 óbitos.
Embora com a intensificação das medidas de controle esses números tenham decrescido, ainda tivemos, em 2006, 627 casos do tipo hemorrágico, com 68 óbitos entre os 345.922 casos ocorridos nesse ano.
Confirmou-se, lamentavelmente, o que os especialistas convocados pelo Ministério da Saúde, coordenados por Vanize Macêdo e Fabíola de Aguiar Nunes, previram, temiam e, de forma corajosa, pretendiam fazer abortar. O plano de erradicação contemplava quatro fases:
A fase preparatória, em que seriam feitos todos os levantamentos em termos de insumos, equipamentos, recursos humanos e materiais de todos os componentes do plano e seriam criadas nos Estados e municípios as estruturas garantidoras do êxito de tamanha empreitada, incluindo os contatos em nível comunitário.
A fase de ataque, que seria deflagrada no mesmo dia nos cerca de 1.000 municípios (hoje são mais de 3.600) com presença do vetor para eliminar simultaneamente e de forma articulada as fases evolutivas do Aedes Aegypti.
A terceira fase, de consolidação, consistiria no monitoramento entomológico dos municípios nos quais a fase de ataque estivesse concluída.
A quarta e última fase seria a de manutenção, caracterizada pela permanência do monitoramento da presença do Aedes Aegypti apenas nos pontos estratégicos e com armadilhas, podendo também manter vigilância em áreas selecionadas.
O sistema de vigilância epidemiológica seria montado em todos os municípios, inclusive nos que estivessem livres do Aedes Aegypti, no início da fase de ataque, com o objetivo de assegurar a detecção precoce e a rápida atuação na eventualidade de infestação desses municípios pelo vetor, para impedir sua dispersão.
O programa deveria ser cumprido em aproximadamente quatro anos.
É evidente que um plano dessa magnitude envolveria vários ministérios além do da Saúde. Chegou a ser aprovado, em reunião convocada pelo presidente da República, com a presença de 11 ministérios, incluindo os da área militar, e nomeado seu comitê executivo.
Ocorreu que novos recursos, obtidos após protelações no Congresso Nacional, foram esterilizados pela retirada de parte das fontes que o ministério possuía, reduzindo o orçamento do ministério, até em valor nominal, o que levou ao abandono do plano de erradicação e à utilização da estratégia de controle.
Pela complexidade dos fatores da dengue, pode até ser que a erradicação não viesse a ser obtida, mas, muito provavelmente, a situação epidemiológica atual seria diferente, com menos casos graves e redução considerável de óbitos. Foi, sem dúvida, uma oportunidade perdida.
No momento em que um profissional da área, com militância ativa há décadas, competência comprovada na prática em muitas situações, ocupa o ministério, reacende-se a esperança de que a saúde seja considerada prioridade e que ele consiga, nos embates com a área econômica, mais êxito que seus antecessores.
O desejo maior nesse instante é que ele consiga a regulamentação da emenda 29 o quanto antes, que só foi obtida pelo empenho do ministro José Serra, para que não se perca mais uma oportunidade, entre tantas que a saúde perdeu ao longo do tempo.

ADIB D. JATENE , 78, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC), secretário da Saúde do Estado de São Paulo (governo Maluf) e diretor do Incor.

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