São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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A estranha lógica da economia

HUGO PENTEADO


É urgente que os economistas incorporem a realidade física, ecológica, social, política e planetária nos seus modelos


O CRESCIMENTO populacional e econômico exponencial é a causa dos colapsos socioambientais que podem pôr um fim à trajetória humana na Terra, segundo a comunidade científica, que assinou um alerta para a humanidade em 1990. É comum ouvir dos incrédulos que a maior parte das profecias feitas sobre o futuro sombrio da humanidade jamais foram confirmadas. Embora isso seja verdadeiro, há três pontos falhos nesse argumento.
Primeiro, embora tenham existido profetas, agora os alertas estão sendo feitos por vencedores de Prêmio Nobel e pela comunidade científica internacional. Os alertas fazem parte de um consenso científico jamais visto e bem fundamentado empiricamente.
Segundo, os cientistas sempre alertaram sobre o fraco alcance preditivo dos modelos, sobretudo no que respeita aos limites da Terra, claramente evidenciados pela mudança climática e pela maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos, fenômenos que, embora possam parecer novidade para a maioria, já têm mais de 30 anos de estudos e evidências.
Não interessa se o prazo é de 50 ou 1.000 anos, o mais importante sempre foi definir as causas do colapso, pois somente assim poderemos revertê-lo. Ao enfatizarmos os limites da Terra, estamos tomando o cuidado de não tornar o aquecimento global um fenômeno geral, e sim particular do atual desafio socioambiental.
O aquecimento global não é a nossa única ameaça nem a maior delas, e as ameaças são decorrentes do crescimento econômico a qualquer custo e do contínuo avanço populacional.
Por causa do comércio global, os problemas ambientais são planetários pela primeira vez na história e estão diretamente relacionados com os limites da Terra e com a nossa teimosia em avançar aceleradamente na direção desses limites, como se não existissem. O debate do aquecimento global que ganhou notoriedade só agora, com 30 anos de atraso, corre o risco de levar a discussão para onde menos interessa.
Terceiro, o fato de um mau evento nunca ter ocorrido não significa que jamais irá acontecer. A humanidade tem a sorte de contar com a resiliência da natureza, uma fronteira que, antes de ser ultrapassada, permite que os desequilíbrios ambientais sejam neutralizados. Quando essa fronteira for ultrapassada, uma ruptura inviabilizará a sobrevivência de parcela significativa da humanidade. Por isso, o conceito da precaução é validado pela ecologia, pela biologia, pela paleontologia e pela física.
Ao contrário dessas ciências, a economia está definindo as políticas econômicas e de investimentos como se nada mais importante do conhecimento de outras esferas fosse válido para mudar seus conceitos.
Do ponto de vista epistemológico, não faz sentido a economia não absorver os avanços da física moderna, sendo ela uma irmã siamesa da física.
Ao nascer, a economia tomou emprestadas as leis da física clássica para explicar todos os processos econômicos, porém seguiu ignorando os avanços da física moderna que mudaram a forma como o ser humano entende a realidade a sua volta.
Para corrigir esse erro, o único caminho possível é por meio da economia ecológica, um avanço científico multidisciplinar que nasceu há 30 anos, a partir das críticas nunca refutadas de Nicholas Georgescu-Roegen.
Apesar dele, todas as vertentes da economia assumem ainda hoje, corajosamente, que o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e que este é inesgotável. Robert Solow, o pai da teoria do crescimento, disse que as economias podem se ver livres dos recursos naturais, dado que o capital é um perfeito substituto da natureza. E foi além: afirmou que o ser humano será capaz de produzir outros fatores materiais que não os da natureza.
Os físicos sabem que o ser humano não produz nem matéria nem energia, portanto, tudo vem da natureza.
Na realidade, ao contrário do que diz Solow, não existem outros fatores materiais que não os da natureza.
A economia está em xeque com a realidade. Propor crescimento sem avaliar as condições necessárias e sem mensurar os resultados socioambientais não se justifica mais, tanto pelos descalabros ambientais quanto pelas questões sociais, como a concentração de riqueza recorde dentro e fora das nações.
É urgente que os economistas incorporem a realidade física, ecológica, social, política e planetária nos seus modelos e atuem positivamente para o futuro da humanidade. Do contrário, continuaremos seguindo na rota de colisão com o planeta, da qual, dessa vez, não sairão vencedores.

HUGO PENTEADO , 41, mestre em economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, é economista-chefe e estrategista do ABN Amro Asset Management. É autor do livro "Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem".

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