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ANTONIO DELFIM NETTO
Assustador
Em artigo que tivemos a oportunidade de publicar na revista
"Carta Capital" (19 de julho de 2000,
ed. 127), chamamos a atenção de nossos leitores para uma pesquisa de opinião da Latinobarometro, um grupo
instalado no Chile, que mostrou que,
na América Latina, 60% das pessoas
preferem o sistema democrático, mas
apenas 37% delas estão satisfeitas com
a forma pela qual ela funciona. No
Brasil, a situação era mais dramática:
apenas 18% demonstraram satisfação
com a forma de sua operação. Pior:
25% responderam que preferiam um
sistema autoritário. E, talvez, o mais
grave, 28% das pessoas consultadas
disseram que eram indiferentes à forma da administração política. O que
se conclui é que, dentre os que "preferem a democracia", há um contingente que não se importa com ela, de forma que não há, de fato, a convicção de
que ela seja a melhor forma de governo.
O problema foi explorado numa
pesquisa realizada pelo respeitado
Instituto Datafolha nos dias 19 e 20 de
junho. Foram ouvidos 11.534 eleitores
em 296 municípios de todas as unidades da Federação do país. A reconhecida qualidade daquele instituto garante que as respostas devem revelar o
quadro realmente existente no universo dos eleitores brasileiros. O resultado é assustador, curioso e divertido.
Assustador, porque confirma o Latinobarometro: 47% dos eleitores consideram a democracia sempre o melhor regime... Mas 18% aceitam regimes autoritários (sob certas circunstâncias). Curioso, porque logo alguns
politicólogos associaram a preferência
ou não pela democracia às condições
econômicas tais como elas são sentidas pela população, inferência perigosa e incorreta. Divertido, porque, apesar de ninguém saber o que é direita
ou esquerda, 31% dos eleitores "sabem" que o PSDB, que insiste em pensar-se como esquerda "light", é de direita!
A pesquisa ilustra muitas das agudas
observações feitas por André Singer
no seu livro "Esquerda e Direita no
Eleitorado Brasileiro". As pessoas têm
dificuldade de definir sua posição política, mas são dotadas de uma intuição. Para os eleitores brasileiros, o
PPB (que pretende ter a ideologia da
Economia Social de Mercado) é muito
mais "esquerda" (29%) do que o
PSDB (23%), que se supõe, ideologicamente, social-democrata!
Não adiantam sofisticadíssimas
análises intelectuais ou a defesa parvajola das virtudes do neoliberalismo e
da globalização para explicar a desilusão do eleitor. Hoje até o FMI reconheceu que "o Consenso de Washington nunca considerou a equidade social". E mais, nunca aceitou que "a volatilidade e as intensas idas e vindas
brutais do capital de curto prazo" gerariam crises nas sociedades mal preparadas para essa liberdade de movimentos. Só a idiotia nacional e o mercadismo religioso não sabem que os
"excessos do capitalismo" serão corrigidos pelas urnas. O regime democrático e a economia de mercado são instituições complementares que corrigem seus respectivos exageros, como
veremos em breve.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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