São Paulo, quarta-feira, 02 de agosto de 2000


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ANTONIO DELFIM NETTO

Assustador

Em artigo que tivemos a oportunidade de publicar na revista "Carta Capital" (19 de julho de 2000, ed. 127), chamamos a atenção de nossos leitores para uma pesquisa de opinião da Latinobarometro, um grupo instalado no Chile, que mostrou que, na América Latina, 60% das pessoas preferem o sistema democrático, mas apenas 37% delas estão satisfeitas com a forma pela qual ela funciona. No Brasil, a situação era mais dramática: apenas 18% demonstraram satisfação com a forma de sua operação. Pior: 25% responderam que preferiam um sistema autoritário. E, talvez, o mais grave, 28% das pessoas consultadas disseram que eram indiferentes à forma da administração política. O que se conclui é que, dentre os que "preferem a democracia", há um contingente que não se importa com ela, de forma que não há, de fato, a convicção de que ela seja a melhor forma de governo.
O problema foi explorado numa pesquisa realizada pelo respeitado Instituto Datafolha nos dias 19 e 20 de junho. Foram ouvidos 11.534 eleitores em 296 municípios de todas as unidades da Federação do país. A reconhecida qualidade daquele instituto garante que as respostas devem revelar o quadro realmente existente no universo dos eleitores brasileiros. O resultado é assustador, curioso e divertido. Assustador, porque confirma o Latinobarometro: 47% dos eleitores consideram a democracia sempre o melhor regime... Mas 18% aceitam regimes autoritários (sob certas circunstâncias). Curioso, porque logo alguns politicólogos associaram a preferência ou não pela democracia às condições econômicas tais como elas são sentidas pela população, inferência perigosa e incorreta. Divertido, porque, apesar de ninguém saber o que é direita ou esquerda, 31% dos eleitores "sabem" que o PSDB, que insiste em pensar-se como esquerda "light", é de direita!
A pesquisa ilustra muitas das agudas observações feitas por André Singer no seu livro "Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro". As pessoas têm dificuldade de definir sua posição política, mas são dotadas de uma intuição. Para os eleitores brasileiros, o PPB (que pretende ter a ideologia da Economia Social de Mercado) é muito mais "esquerda" (29%) do que o PSDB (23%), que se supõe, ideologicamente, social-democrata!
Não adiantam sofisticadíssimas análises intelectuais ou a defesa parvajola das virtudes do neoliberalismo e da globalização para explicar a desilusão do eleitor. Hoje até o FMI reconheceu que "o Consenso de Washington nunca considerou a equidade social". E mais, nunca aceitou que "a volatilidade e as intensas idas e vindas brutais do capital de curto prazo" gerariam crises nas sociedades mal preparadas para essa liberdade de movimentos. Só a idiotia nacional e o mercadismo religioso não sabem que os "excessos do capitalismo" serão corrigidos pelas urnas. O regime democrático e a economia de mercado são instituições complementares que corrigem seus respectivos exageros, como veremos em breve.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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