São Paulo, quarta-feira, 02 de agosto de 2000


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Para o Brasil não quebrar


Os trabalhadores do setor público têm de contribuir com a Previdência ou esperar que o Estado e a providência os mantenha


RENATO FOLLADOR

Os servidores públicos recebem dos cofres públicos aposentadorias iguais ao último salário por, em média, 28 anos, em razão da passagem precoce para a inatividade e da longevidade crescente do cidadão brasileiro.
Negligenciando essa realidade, as autoridades brasileiras avançam timidamente na mudança das regras vigentes dos regimes de Previdência dos servidores públicos. Como consequência, as folhas de pagamento e as dívidas públicas estão consumindo praticamente todos os recursos arrecadados na forma de impostos, pois são cada vez em maior número os aposentados e pensionistas.
Da maneira como estão as coisas, o tempo trabalha para agravar o problema, e não para que sejam identificadas soluções. Não é por outra razão que muitos Estados e municípios estão com os pagamentos de seus servidores atrasados e ondas de greves voltam a agitar o país e intranquilizam a sociedade. Esse é um tema fundamental para discussão e merece análise mais profunda.
Um balanço da Previdência do setor público brasileiro demonstra que o déficit, ou seja, a diferença entre o que se arrecada na forma de contribuições dos servidores e o que se paga de aposentadorias e pensões a 3 milhões de beneficiários foi, em 1999, de R$ 39 bilhões. Os valores orçamentários para investimentos nas áreas de educação e saúde, no mesmo ano, totalizaram R$ 32 bilhões. Logo, se não existisse o déficit previdenciário do setor público, poderíamos dobrar -eu repito, dobrar- os investimentos em educação e saúde no país.
Por outro lado, para pagar os benefícios de 18 milhões de aposentados do setor privado, o Estado banca um déficit de R$ 9,7 bilhões. Cada aposentado do setor privado é subsidiado, portanto, com R$ 538 do Tesouro Federal. Em contrapartida, cada aposentado do setor público recebe, desse mesmo Tesouro e dos Tesouros estaduais e municipais, R$ 12.667 como subsídio.
Conclusão: o dinheiro dos impostos, necessário para obras de infra-estrutura, programas sociais e melhores serviços públicos, está sendo utilizado para honrar, principalmente, aposentadorias de servidores que contribuem aquém do necessário para o nível de benefício que recebem.
As Previdências em todo o mundo têm caráter contributivo. Baseiam-se na existência de contribuições e envolvem uma enorme massa de recursos e de obrigações. Seus financiamentos devem ser elaborados com base nos cálculos atuariais, instrumental matemático que estabelece o quanto de contribuição mensal é necessário para pagar as aposentadorias prometidas. A retribuição, na forma de benefício de aposentadoria, deve ser proporcional a essa mesma contribuição. É o princípio da equidade.
No setor privado, o estabelecimento do fator previdenciário instituiu pela primeira vez no Brasil esse princípio.
No setor público, ao contrário, não se pratica a justiça atuarial: os valores arrecadados são extraordinariamente inferiores aos necessários para pagar o montante das atuais aposentadorias.
Até a adoção do Regime Jurídico Único e a opção por sistemas próprios de Previdência, em 1991, não houve contribuição para sustentar as futuras aposentadorias. Como os aposentados eram relativamente poucos, não havia, até então, a preocupação de construir um sistema independente, auto-sustentável, para ampará-los na velhice.
As contribuições do passado para os institutos de Previdência estaduais e municipais foram usadas para pagamento das pensões e para atendimento médico-hospitalar. Não havia fundo para capitalizar o excedente, que foi usado para mais atendimento médico-hospitalar, até que a quantidade de recursos se tornou insuficiente pelo número crescente de servidores e de viúvas. Não há entre os servidores públicos essa consciência, fruto principalmente da falta de uma consciência previdenciária, do desinteresse pelo tema, da constante mudança das regras, da imPrevidência das autoridades públicas com relação ao futuro e da cultura paternalista. Aliás, essa é uma característica da maioria de nossos concidadãos.
De maneira geral, a noção da redistribuição de renda, de movimentações fiscais de recolhimento de impostos e de sua destinação, da relação de causa e efeito entre a carga tributária do indivíduo e a definição de o que o Estado faz por ele não entra na cabeça do brasileiro médio e o faz imaginar que o governo é uma fonte inesgotável de dinheiro.
Décadas de inflação ajudaram a construir no inconsciente do brasileiro a imagem desse Estado poderoso, que pode honrar seus compromissos de pagamento com a simples emissão de moeda, sem consequências para o cidadão. Esses traços culturais levam o brasileiro a perder a noção do valor monetário e a desvincular o conceito de contribuição de seu recíproco, o benefício. Ele considera legítima e praticável a possibilidade de contribuir pouco e receber muito.
Não há mais recursos sobrando nos cofres públicos para manter essa crença e a situação atual. Faz-se necessária, também para o setor público, a introdução de um "fator previdenciário" correlacionando contribuições e benefícios. Não só pela necessidade de uma justiça atuarial, mas para que seja mantido o princípio de justiça social em toda sua amplitude. Não podemos perpetuar a injustiça de a velhice do trabalhador do setor privado ser tratada de forma diferente daquela do trabalhador do setor público. É como se tivéssemos duas categorias de cidadãos em nosso país.
Além do fator previdenciário, temos que constituir reservas, formar poupança, para honrar a promessa das futuras aposentadorias. Não se pode negar que poupança interna é fundamental para o desenvolvimento econômico e para o aumento da arrecadação pública.
Se a União, Estados e municípios pretendem realmente readquirir sua capacidade de investimentos e cumprir seu dever de retribuir o que a sociedade paga em impostos oferecendo-lhe melhores serviços públicos, têm de reformar seus sistemas próprios de Previdência.
Se os trabalhadores do setor público querem receber aposentadorias na velhice, têm de contribuir para isso. Ou esperar que o Estado possa sozinho, no futuro, com a ajuda da providência -não por meio de sua Previdência- operar o milagre de manter milhões de aposentados e pensionistas do setor público sem que eles tenham a correta e necessária participação no esforço contributivo. Ou, talvez, quem sabe, possamos convencer a sociedade a pagar mais e mais impostos para mantê-los.


Renato Follador, 45, engenheiro civil e administrador, é secretário de Previdência do Paraná.



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