São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

KENNETH MAXWELL

Defesa e democracia

QUANDO VISITEI pela primeira vez a Espanha, em 1963, a imagem de Francisco Franco enfeitava os selos do país, com o título "Caudillo de España". Ele era também o "generalíssimo" das forças armadas espanholas.
Os postos eram ocupados, segundo Franco, "pela graça de Deus". Após sua morte, em 1975, desemaranhar o legado deixado por ele, que tinha bem menos a ver com a graça de Deus do que com o fato bruto de sua vitória na Guerra Civil Espanhola, não foi fácil.
Ao longo da maior parte da era Franco, de fato, o Exército espanhol havia funcionando quase como uma força de ocupação, em guarnições espalhadas pelo país mais em virtude da segurança interna do que da defesa contra ameaças externas. Com estruturas de comando inalteradas ao longo de mais de 30 anos, o Exército sofria de um excesso de generais envelhecidos e, porque os custos de pessoal absorviam a maior parte do orçamento, a mobilidade das tropas era baixa e elas dispunham de pouco equipamento moderno.
Os velhos oficiais do Exército franquista se queixaram da legalização do Partido Comunista, em 1977, e ainda mais do reconhecimento da Espanha como Estado multinacional, na Constituição espanhola de 1978, que transferiu poderes substanciais aos governos regionais, mais significativamente o da Catalunha. Esse descontentamento culminou em uma tentativa de golpe de Estado, em fevereiro de 1981, quando unidades paramilitares da Guarda Civil e oficiais do Exército tomaram o Parlamento e transformaram em reféns os membros do governo. A intervenção decisiva do rei Juan Carlos conteve o estrago. Mas os líderes civis compreenderam que não era mais possível adiar a imposição firme e efetiva de controle civil sobre as Forças Armadas.
O Ministério da Defesa espanhol foi criado em 1977, mas suas funções eram apenas decorativas. Foi o governo socialista eleito em 1982 que impôs na prática o comando civil, atribuindo ao primeiro-ministro responsabilidade direta pelo comando e coordenação das Forças Armadas. O Estado-Maior conjunto se tornou órgão consultivo e não de comando, e surgiu o posto de chefe do Estado-Maior geral, com responsabilidade pela ação conjunta entre Marinha, Exército e Aeronáutica. O ministro da Defesa ficou com a responsabilidade pela determinação das políticas militares e, assim, estabelecer prioridades e modernizar radicalmente as estruturas militares. Os gastos com defesa subiram de maneira acentuada, no início do processo, mas a reforma funcionou.
A história de sucesso construído pela Espanha deveria ser estudada com atenção em Brasília, depois do desastre de Congonhas.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Bergman
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.