São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

Próximo Texto | Índice

Editoriais

Mais dos mesmos

Perícia dos candidatos em evitar temas relevantes sugere necessidade de reinventar o mecanismo dos debates eleitorais

TERIA DIFICULDADES o cidadão paulistano, se quisesse começar a definir seu candidato à prefeitura da capital com base no debate realizado quinta-feira, na TV Bandeirantes.
Não que tenha sido especialmente ruim o desempenho dos participantes. Ao contrário, os acessos de turbulência e de insultos que antigamente caracterizavam eventos do gênero, dando-lhes o tempero intoxicante do despreparo e do ridículo, deixam-se substituir pela pose estudada e sintética, pelo sedoso apelo à platitude, pelo desfiar fluente de estatísticas cuja veracidade nenhum adversário terá tempo ou condições de contestar.
Para lembrar a frase feita, existe uma "conspiração do silêncio" em muitas áreas da política -a questão do financiamento das campanhas é uma das mais importantes, e mal pôde ser abordada no debate.
Não é menor, entretanto, a verdadeira "conspiração da tagarelice" que, na conjuntura eleitoral paulistana, parece beneficiar de modo especial os candidatos mais fortes nas pesquisas. É que não lhes faltam feitos administrativos, nem familiaridade, como se sabe, com os desvãos mais obscuros das contas públicas.
Podem rivalizar, portanto, na disputa a respeito de quem mais construiu centros esportivos, quem mais leitos ofereceu aos doentes da cidade, quem mais lâmpadas substituiu nas vias públicas. Minutos preciosos do debate, aliás, consumiram-se neste último ponto -cabe dizer que sem benefício notável para o esclarecimento do eleitor.
Diferentemente do que tem sido a norma desde a democratização, o pleito de 2008 se dá num momento econômico favorável. É natural, portanto, que promessas se multipliquem, novos investimentos se anunciem e que planos administrativos se resumam, afinal, numa simples frase: "Farei mais do que já fiz."
Com isso, os debates entre candidatos parecem assemelhar-se, dado o engessamento das regras e dos rostos, ao próprio horário eleitoral gratuito. Sem dúvida, a realização de eventos desse tipo é positiva; sem dúvida, não caberia nem sequer responsabilizar demais os candidatos pelo fato de seguirem os protocolos já fixados há bastante tempo pelas técnicas do marketing político.
Trata-se principalmente de minimizar os riscos de deslize, de abordar um conjunto de temas e carências detectado de antemão pelas pesquisas, de associar-se taticamente a Fulano ou a Beltrano, e de fugir do que não interessa explicar.
O que não interessa aos candidatos, quase por definição, é o que interessaria de fato ao eleitor. A perícia dos políticos nesse campo é, sem dúvida, resultado do amadurecimento democrático do país. Mas na base da democracia está a necessidade de que os cidadãos saibam reinventar seus métodos para defender-se do poder. Se isso é pedir muito, que possam, ao menos, defender-se da mesmice, do artificialismo e da platitude de uma disputa sem arestas nem diferenças substantivas em destaque.


Próximo Texto: Editoriais: Desaquecimento americano

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.