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A CNBB deveria mesmo promover um plebiscito sobre a dívida externa do país?
NÃO
Responsabilização equivocada
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
O plebiscito que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) está realizando tem o mérito de colocar na agenda de debate do país o problema do endividamento externo (da
nação) e interno (do Estado). Equivoca-se, entretanto, ao supor que a responsabilidade pelo endividamento é dos credores, e não dos que, irresponsavelmente, endividaram a nação e o Estado.
Equivoca-se mais ainda ao sugerir a
moratória de ambas as dívidas, em um
caso porque teria origem fraudulenta
(daí exigir-se uma auditoria), em outro,
porque seria devida a especuladores.
Não tenho a menor dúvida sobre o espírito público e a intenção de defender o
interesse nacional e o interesse dos mais
pobres da CNBB, mas, ao propor o plebiscito nos termos em que está fazendo,
ela está indo contra seus próprios objetivos: no plano externo, não levará à redução da dívida externa, mas ao aumento da taxa de risco do país e, portanto, dos juros que pagamos sobre a dívida externa; no plano interno, premiará
a irresponsabilidade fiscal.
Não logrará a redução da dívida externa porque não há nenhum ambiente
para isso, em um nível internacional. Se
o governo brasileiro falar nisso, apenas
levará ao aumento dos nossos juros. Se
cometer a loucura de declarar uma moratória, pagaremos por anos e anos pelo
erro cometido. Creio que tenho autoridade pessoal para dizer o que estou dizendo. Quando fui ministro da Fazenda, o Brasil foi o primeiro país a propor
formalmente um desconto na dívida externa e a oferecer uma técnica financeira correta para viabilizá-lo: a securitização da dívida. Naquela época, diziam
que eu arriscava meu cargo. De fato o
fazia, mas eu sabia que minha proposta
fazia sentido para o Brasil e para os credores. Tanto era assim que, 18 meses depois, o Plano Brady limitou-se a adotar
as duas propostas básicas do plano brasileiro: securitização da dívida com desconto e desvinculamento no processo
de negociação entre os bancos e o FMI.
Em 1987 isso era viável porque os bancos haviam suspendido a rolagem da dívida dos países endividados, que, em
consequência, entraram em moratória
branca: pararam de pagar por falta de
meios. O Brasil decidiu, pouco antes de
eu assumir o ministério, fazer uma moratória ostensiva. Até hoje paga por isso.
Hoje, moratória da dívida externa não
é viável para países como o Brasil, primeiro, porque a rolagem de sua dívida
está sendo realizada normalmente; segundo, porque ninguém tem dúvida da
origem dessa dívida. Não há nada de
fraudulento nela. O Banco Central a audita regularmente. Nossa dívida externa
vinha diminuindo regularmente até
1994. O que houve em seguida foi um
imenso erro das autoridades econômicas brasileiras ao terem valorizado o
real nesse ano. O êxito do Plano Real
não dependia disso e de terem irresponsavelmente mantido essa sobrevalorização até o início de 1999. Por isso o país
consumiu muito mais do que devia nesses anos, importando ou gastando em
viagens internacionais o que não podia
gastar enquanto exportava muito menos do que precisava exportar.
Quanto à dívida interna, atribuí-la a
especuladores é fácil, mas irreal. Ela se
deve a dois fatores: à elevação absurda
da taxa de juros real durante aqueles
quatro anos, para cobrir os credores internacionais dos riscos de uma desvalorização, que todos sabiam inevitável, e
aos déficits públicos que foram incorridos em cada unidade da Federação. No
primeiro caso, trata-se de uma questão
de incompetência na formulação de política econômica, no segundo, de populismo dos políticos. Nos dois, de aumento do endividamento interno, com
prejuízo para o povo.
É o prejuízo para o povo que torna indignados os bispos da CNBB, como
também me torna indignado. Mas a indignação deve ser com quem foi responsável pelo endividamento da nação
e do Estado, com aqueles que provocaram o déficit em conta corrente (que determina o aumento da dívida externa) e
o déficit público (que é sinônimo de aumento da dívida interna). Os responsáveis não foram os credores, fomos nós,
foram nossos políticos e técnicos, incompetentes e populistas.
Nas democracias, a responsabilização
("accountability") é um conceito fundamental. Cada um é responsável pelos
seus atos e tem obrigação de prestar
contas deles. A responsabilização é um
conceito moral e político. A CNBB não
contribui para essa responsabilização,
fazendo um plebiscito com as perguntas
que está fazendo, porque os pressupostos em que elas se baseiam estão equivocados. Sobra, entretanto, o mérito de
nos lembrar que o aumento do endividamento nacional e do endividamento
público são práticas em princípio inaceitáveis. Principalmente quando se devem a aumento da taxa de juros (beneficiando rentistas) ou ao aumento do
consumo, em vez do investimento, como ocorreu no Brasil entre 1994 e 1998.
Luiz Carlos Bresser Pereira, 66, é professor titular de economia da Fundação Getúlio Vargas
(SP). Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da
Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC) e da Fazenda (governo Sarney).
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