São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O horário eleitoral influi significativamente sobre a decisão de voto do eleitor?

NÃO

O marketing do marketing

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

O INSTITUTO Datafolha prestou grande serviço aos estudos de comunicação no Brasil ao publicar anteontem o resultado de pesquisa sobre a influência da propaganda política via rádio e TV sobre a decisão de voto do cidadão. O poder do marketing eleitoral de massas sempre foi superestimado. No Brasil pós-regime militar, a atribuição de importância exagerada a esse instrumento passou dos limites da razoabilidade.
A inflação dessa imagem foi, sem dúvida, estimulada pelos próprios responsáveis por campanhas eletrônicas de candidatos, com o objetivo -inconsciente, talvez, em respeito ao princípio da inocência presumida- de aumentar seu faturamento.
Mas a convicção sobre o poder incomensurável do marketing eleitoral foi prazerosamente engolida pela sociedade, sempre disposta a encontrar um bode expiatório para os seus erros e feliz em atribuir à "manipulação" de marqueteiros geniais e maquiavélicos o resultado de votações das quais ela depois se arrepende.
O Datafolha demonstrou com números a tese de que, de fato, a propaganda sozinha muda muito pouco a intenção de voto do eleitor: só 6% dos eleitores disseram ter mudado de candidato por causa dela. E a maioria absoluta nem mesmo a assistiu.
O cidadão -mesmo o mais simples e ignorante- não decide em quem votar da mesma forma que resolve qual marca de sabonete comprar. Ele sabe que são julgamentos fundamentalmente diversos, que envolvem valores de qualidades desiguais.
Em geral, o voto é deliberado em função do uso da racionalidade e da avaliação de convicções ou crenças muito próximas do núcleo mais relevante da personalidade do indivíduo (religião, ideologia, família, condições econômicas de vida). É evidente que avaliações podem ser equivocadas e que arrependimento pode sobrevir quando se constata falha. Daí a tentação de atribuí-la a outro e eximir-se da responsabilidade pelo engano.
As técnicas de comunicação, evidentemente, têm importância. Mas são só um dos meios pelos quais se veiculam idéias, propostas, conceitos e fatos. Estes são os que pesam quando o eleitor pondera em quem votar. Fernando Collor de Mello é com freqüência lembrado como exemplo de político vazio de substância e representatividade que chega à Presidência da República após ser construído como produto de marketing.
Claro que sua exposição via rádio e TV a todo o país quando era bem conhecido apenas em seu Estado foi indispensável para a vitória que obteve em 1989. Mas, se ele não defendesse projetos e programas com quem a maioria da população realmente se identificasse e julgasse os melhores para a nação, jamais teria vencido.
Ao contrário do mito em que se transformou a campanha presidencial de 1989, o que ela de fato comprovou foi como são estreitas as possibilidades de a propaganda política influir no resultado de um pleito. Ulysses Guimarães, o candidato do PMDB à Presidência, tinha mais que o dobro de tempo do horário eleitoral gratuito de Collor e Lula juntos. Aureliano Chaves, do PFL, tinha 60% a mais de tempo do que Collor e Lula somados. A campanha de Ulysses gastou 13 vezes mais dinheiro que a de Collor e 100 vezes mais que a de Lula.
Ulysses ficou em sétimo lugar, com 4,4% dos votos, e Aureliano, em nono, com 0,83%. Ao segundo turno, foram Lula, do PT (16%), e Collor, do PRN (28,5%). O que os fez chegar lá não foi o marketing: foi o sentido de mudança, reforma, renovação que deram, sincera ou hipocritamente, ao discurso. Era o que a maioria desejava. Quando uma eleição é muito disputada, o marketing pode ser decisivo.
Mas raramente o é. Outra lenda, esta universal, é a de que John Kennedy venceu Richard Nixon em 1960 por causa do desempenho de ambos na série de debates pela televisão que travaram na campanha.
Pesquisas de vários institutos e universidades provaram que não foi assim: poucos eleitores mudaram sua intenção de voto por causa dos debates, e os que trocaram Nixon por Kennedy foram tantos quantos os que trocaram Kennedy por Nixon.
O que decidiu aquela eleição, como quase todas, foram considerações materiais: desde as condições do clima no dia da votação até a suposição de qual candidato seria o mais eficaz para melhorar as condições da economia e as do próprio eleitor. No fundo, é sempre isso o que mais importa.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, 53, livre-docente e doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi secretário (1984 a 87) e diretor-adjunto de Redação (1988 a 89) da Folha e correspondente do jornal em Washington (1987 a 88 e 1991 a 98). É autor de "O Marketing Eleitoral" (Publifolha, 2002).

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