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TENDÊNCIAS/DEBATES
O horário eleitoral influi significativamente
sobre a decisão de voto do eleitor?
NÃO
O marketing do marketing
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
O INSTITUTO Datafolha prestou
grande serviço aos estudos de
comunicação no Brasil ao publicar anteontem o resultado de pesquisa sobre a influência da propaganda política via rádio e TV sobre a decisão de voto do cidadão. O poder do
marketing eleitoral de massas sempre foi superestimado. No Brasil pós-regime militar, a atribuição de importância exagerada a esse instrumento
passou dos limites da razoabilidade.
A inflação dessa imagem foi, sem
dúvida, estimulada pelos próprios
responsáveis por campanhas eletrônicas de candidatos, com o objetivo
-inconsciente, talvez, em respeito ao
princípio da inocência presumida-
de aumentar seu faturamento.
Mas a convicção sobre o poder incomensurável do marketing eleitoral
foi prazerosamente engolida pela sociedade, sempre disposta a encontrar
um bode expiatório para os seus erros
e feliz em atribuir à "manipulação" de
marqueteiros geniais e maquiavélicos
o resultado de votações das quais ela
depois se arrepende.
O Datafolha demonstrou com números a tese de que, de fato, a propaganda sozinha muda muito pouco a
intenção de voto do eleitor: só 6% dos
eleitores disseram ter mudado de
candidato por causa dela. E a maioria
absoluta nem mesmo a assistiu.
O cidadão -mesmo o mais simples
e ignorante- não decide em quem votar da mesma forma que resolve qual
marca de sabonete comprar. Ele sabe
que são julgamentos fundamentalmente diversos, que envolvem valores de qualidades desiguais.
Em geral, o voto é deliberado em
função do uso da racionalidade e da
avaliação de convicções ou crenças
muito próximas do núcleo mais relevante da personalidade do indivíduo
(religião, ideologia, família, condições
econômicas de vida). É evidente que
avaliações podem ser equivocadas e
que arrependimento pode sobrevir
quando se constata falha. Daí a tentação de atribuí-la a outro e eximir-se
da responsabilidade pelo engano.
As técnicas de comunicação, evidentemente, têm importância. Mas
são só um dos meios pelos quais se
veiculam idéias, propostas, conceitos
e fatos. Estes são os que pesam quando o eleitor pondera em quem votar.
Fernando Collor de Mello é com
freqüência lembrado como exemplo
de político vazio de substância e representatividade que chega à Presidência da República após ser construído como produto de marketing.
Claro que sua exposição via rádio e
TV a todo o país quando era bem conhecido apenas em seu Estado foi indispensável para a vitória que obteve
em 1989. Mas, se ele não defendesse
projetos e programas com quem a
maioria da população realmente se
identificasse e julgasse os melhores
para a nação, jamais teria vencido.
Ao contrário do mito em que se
transformou a campanha presidencial de 1989, o que ela de fato comprovou foi como são estreitas as possibilidades de a propaganda política influir no resultado de um pleito.
Ulysses Guimarães, o candidato do
PMDB à Presidência, tinha mais que
o dobro de tempo do horário eleitoral
gratuito de Collor e Lula juntos. Aureliano Chaves, do PFL, tinha 60% a
mais de tempo do que Collor e Lula
somados. A campanha de Ulysses gastou 13 vezes mais dinheiro que a de
Collor e 100 vezes mais que a de Lula.
Ulysses ficou em sétimo lugar, com
4,4% dos votos, e Aureliano, em nono,
com 0,83%. Ao segundo turno, foram
Lula, do PT (16%), e Collor, do PRN
(28,5%). O que os fez chegar lá não foi
o marketing: foi o sentido de mudança, reforma, renovação que deram,
sincera ou hipocritamente, ao discurso. Era o que a maioria desejava.
Quando uma eleição é muito disputada, o marketing pode ser decisivo.
Mas raramente o é. Outra lenda, esta
universal, é a de que John Kennedy
venceu Richard Nixon em 1960 por
causa do desempenho de ambos na
série de debates pela televisão que
travaram na campanha.
Pesquisas de vários institutos e universidades provaram que não foi assim: poucos eleitores mudaram sua
intenção de voto por causa dos debates, e os que trocaram Nixon por Kennedy foram tantos quantos os que
trocaram Kennedy por Nixon.
O que decidiu aquela eleição, como
quase todas, foram considerações
materiais: desde as condições do clima no dia da votação até a suposição
de qual candidato seria o mais eficaz
para melhorar as condições da economia e as do próprio eleitor. No fundo,
é sempre isso o que mais importa.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, 53, livre-docente e
doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri
Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi secretário (1984 a 87) e diretor-adjunto de Redação (1988 a 89)
da Folha e correspondente do jornal em Washington
(1987 a 88 e 1991 a 98). É autor de "O Marketing Eleitoral"
(Publifolha, 2002).
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