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São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O horário eleitoral influi significativamente sobre a decisão de voto do eleitor?

SIM

Sobre Enéas e "Big Brother"

RUBENS FIGUEIREDO

A TELEVISÃO dita comportamentos, faz e desfaz a moda, coloca temas na ordem do dia, transforma ilustres desconhecidos em celebridades, desfaz reputações em minutos. A televisão faz um país inteiro assistir satisfeito, meses a fio, a um grupo de anônimos que lavam banheiros, fazem omelete e travam diálogos idiotas. Por que não haveria de ser importante nas eleições?
A opinião pública está saturada de política. Pesquisas mostram que 18% pretendem anular seu voto para deputado. Em 2002, 2,9% fizeram o mesmo. Vivemos uma eleição sem clima de eleição. Não temos outdoors nem penduricalhos nos postes, e os pagodeiros estão em casa, pois os showmícios foram proibidos.
Temos um presidente candidato com 50% de intenção de voto e uma massa de eleitores de baixa instrução satisfeitos com o governo. A economia patina, mas as pessoas têm a sensação de que tudo vai bem. A coisa está empolgante como um caldinho de batata. Mas, daí a dizer que o horário eleitoral não tem influência nas eleições, há uma distância oceânica.
Vamos começar pelos cargos proporcionais, que é o pedaço mais enfadonho do horário eleitoral. O que não foi Enéas, com seu mais de 1 milhão de votos, que levou consigo outros quatro deputados do então desconhecido PRONA para Brasília, senão um produto da TV? Um visual diferente, uma fala rápida, um bordão, algumas campanhas com pouquíssimo tempo e... pimba! Conseguiria aquela votação distribuindo jornal nas esquinas? Enéas é um produto puro da TV.
Mas há outros candidatos que obtiveram notoriedade em suas áreas de atuação e partiram para a política. Esportistas, cantores, apresentadores, radialistas etc. No horário eleitoral, eles multiplicam por dez o seu potencial de votos, já que divulgam que são candidatos para o conjunto do eleitorado. Exemplos: Agnaldo Timóteo, Biro-Biro, Éder Jofre, Aurélio Miguel, Clodovil e muitos outros.
No que tange aos cargos proporcionais, Collor é um exemplo de almanaque da força da TV. Político de Alagoas, de fora do "stabilishment", desconhecido nacionalmente, candidato por um partido que não existia, transforma-se num grande fenômeno e acaba eleito presidente da República. Suas bravatas não teriam o mesmo efeito em adesivos de pára-choque.
Mas tudo poderia ser diferente se não fosse... a TV. As pesquisas mostravam uma ascensão de Lula, que ameaçava a liderança de Collor. Aí, o programa de Collor divulgou as declarações de Mirian Cordeiro, ex-namorada de Lula, com quem tivera uma filha. E houve o debate, no qual Collor foi melhor. E a edição do debate. A tendência se inverteu e Collor virou presidente. Tudo rapidinho, tudo na TV, quase tudo no horário eleitoral.
Na eleição de 2002, o candidato Ciro Gomes vinha bem nas pesquisas. Então, proferiu frases infelizes: uma ofensiva às mulheres e outra questionando a inteligência de um eleitor. As declarações foram reproduzidas nos programas do adversário, e Ciro despencou nas pesquisas, para não mais se recuperar. É a força da TV.
O horário eleitoral é particularmente importante quando um governador ou um prefeito com altos níveis de aprovação apresentam um candidato desconhecido. Fleury seria eleito governador de São Paulo, em 1994, sem a "blitz" televisiva diária na qual Quércia dizia ser ele, Fleury, o continuador da sua obra? E Pitta, ex-prefeito de São Paulo, seria eleito se não fosse a pregação de Maluf a seu favor?
Televisão é um instrumento poderosíssimo, mas não tem o condão de mudar atitudes e valores fortemente arraigados nas pessoas. A TV não convence as pessoas a deixar de gostar de seus filhos. Collor foi presidente porque existia um desejo generalizado de mudança na sociedade, que ele encarnou com seu voluntarismo de carateca. Agora, não. A grande maioria dos eleitores não quer mudar. E existe um candidato que representa a não mudança. É por isso que não muda.


RUBENS FIGUEIREDO, 48, é cientista político pela USP, consultor, diretor do Cepac - Pesquisa e Comunicação e comentarista da rádio Jovem Pan. É autor, entre outras obras, de "Marketing político e persuasão eleitoral".

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