São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Refletindo sobre um modelo desgastado

RAUL WASSERMANN


Repensar a Bienal do Livro tornou-se uma questão urgente. Saber o que se deseja, mais urgente ainda. Isso tudo requer coragem

HÁ CERCA de oito anos, quando eu estava na presidência da Câmara Brasileira do Livro (CBL), foi instituída uma comissão denominada "Repensando a Bienal".
Tratava-se de olhar o passado e tentar preservar o evento para o futuro. Em minha opinião, as mudanças no mercado e a tecnologia exigiam uma revisão de focos e de métodos.
Meses se passaram e o resultado dessa comissão não apontou nada de novo. Está claro, agora, que faltou visão a todos nós que queríamos algumas modificações, mas não sabíamos defini-las.
E então aconteceu a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e suas várias imitações, arrasando no charme e na atenção da mídia. Bem verdade que são encontros mais voltados à literatura, enquanto o livro vai além disso. Mas...
Uma das novidades da Bienal do Livro de São Paulo foi o Salão de Idéias, criado no Salão Internacional do Livro, evento que a própria classe editorial detonou.
A Bienal do Livro do Rio aperfeiçoou o formato do Salão de Idéias e tem feito o milagre de levar um colosso de gente para o Riocentro. A última Bienal de São Paulo, no entanto, parece ter perdido a fórmula.
O nível dos encontros caiu e a organização deixou de lado também outras ações vitoriosas, como os cursos durante o evento, que, por meio de convênios com Estado e o município, levavam para a Bienal professores com falta abonada.
Nas bienais de 2000 e 2002, percorremos diversas cidades do Estado fazendo contatos com mídias locais e sensibilizando agências de turismo para organizar as chamadas "caravanas do interior". As verbas de publicidade -bem pequenas- eram aplicadas para sensibilizar as massas.
A baixa freqüência no Anhembi neste ano encontra várias explicações dos organizadores, a começar pela Olimpíada de Pequim -cuja data todos conheciam antes de ser definida a da Bienal. A Lei Cidade Limpa também foi apontada como um empecilho para a divulgação, mas o projeto já existia antes de se montar a campanha deste ano. E isso tudo em um ano em que a CBL teve o mérito de receber os maiores patrocínios jamais conseguidos!
Repensar a Bienal tornou-se uma questão urgente. Saber o que se deseja, mais urgente ainda. Inaugurar esse evento alardeando ser o segundo maior do mundo não resolve nem as questões do mercado editorial, nem o acesso ao livro, nem qualquer tipo de retorno aos pequenos editores que investem com dificuldade na ilusão de ampliar seu horizonte comercial.
O mercado de feiras conhece bem a questão de eventos que são esvaziados quando os expositores descobrem ser mais barato expor seus produtos em salas alugadas em hotéis.
Estamos a caminho de algo parecido?
Sabemos que as bienais de São Paulo e do Rio de Janeiro são também -e devem mesmo ser- fontes de renda para as entidades. Mas não haverá um ponto de equilíbrio em que todos possam ganhar?
Por que não assumir que essa fórmula está desgastada? Por que não criar uma bienal, com esse ou outro nome, que somente mostre a produção das editoras, com eventos culturais de primeira, proibição de descontos, iniciativas que levem público às livrarias e outros canais de venda, apoio maciço para a presença de livreiros de todo o país?
Por que não retomar a tradição dos dias reservados aos profissionais?
E por que não pensar em outro evento, em conjunto com os livreiros, que venda com descontos aqueles bons livros que todas as editoras têm, mas que o público não encontra nas prateleiras?
Por que não fazer, também em São Paulo, uma feira dirigida apenas ao público infanto-juvenil, com uma programação de qualidade que incentive a leitura para a garotada, dando-lhes mais espaço para o contato com os livros?
Enfim, por que não investir em uma boa assessoria de marketing que ajude a fazer acontecer o novo?
Isso tudo requer coragem. E a necessária união da classe editorial. É preciso sonhar com o desenvolvimento do mercado antes para colher em nossas empresas depois.
Trata-se de uma utopia num segmento que dezenas de entidades dizem representar e em que cada um concorda, desde que seja sua a idéia adotada. Mas sonhar ainda não paga imposto e, como dizia Pessoa, "tudo vale a pena se a alma não é pequena".

RAUL WASSERMANN é editor, expositor das bienais do livro e ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Artur Henrique e Roberto Franklin de Leão: Piso nacional da educação, conquista popular

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.