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Petróleo na urna
Governo tenta atropelar Congresso com proposta inconvincente de marco regulatório, repleta de armadilhas estatistas
CONSUMOU-SE , na explicitação dos projetos do
Planalto para o pré-sal, a
revanche contra a abertura do mercado e contra a quebra do monopólio da Petrobras,
efetivadas na década passada. A
antecipação do calendário eleitoral, motivada pela iniciativa do
presidente Lula de viabilizar a
candidatura Dilma Rousseff,
atropelou o interesse público.
Propor a tramitação em 90
dias, no regime de urgência constitucional, de um programa que
subverte todo o modelo de exploração, tributação, concorrência e partilha de recursos fiscais
em curso -e que, além disso, exige emissão de mais R$ 100 bilhões em dívida pública, o equivalente a dois meses de arrecadação federal- é um acinte.
O governo federal e a Petrobras, que passaram 14 meses
confabulando para chegar à sua
proposta, não são os únicos interessados na discussão. A mudança afeta toda a sociedade, detentora das riquezas do subsolo. A
tramitação dos quatro projetos
de lei pelo Congresso é a oportunidade de dar a Estados, municípios, trabalhadores, consumidores, empresários, ambientalistas
e técnicos o tempo que for necessário para que se façam ouvir.
A precipitação de Lula chega a
ser ridícula diante do fato de que
não se sabe, com o mínimo de segurança, qual a dimensão da renda petrolífera que se quer, desde
já, dividir. A que ponto a província do pré-sal vai elevar as reservas recuperáveis de petróleo do
Brasil, hoje em 14 bilhões de barris? A que custo de extração?
Na falta de mapeamento da região de 149 mil km2 (equivalente
à área do Ceará), campeia uma
incrível dispersão de palpites.
De 30 bilhões de barris a 300 bilhões de barris, vai uma diferença oceânica. No primeiro caso, o
Brasil apenas administraria pelas próximas décadas a autossuficiência energética já obtida; no
outro, seria alçado à condição de
potência exportadora.
Em vez de mapear as riquezas
antes -até para convencer o público de que seria preciso mudar
o modelo-, o governo passou diretamente à fase seguinte. A urgência eleitoral prevaleceu e deu
passagem a propostas estatistas
de fazer inveja aos "desenvolvimentistas" da ditadura militar.
Na partilha de produção, o governo divide o lucro da empreitada, na forma de óleo, com o
consórcio empresarial contratado para explorar os campos.
Mas, para chegar ao lucro, é preciso definir antes os custos de
cada empreendimento específico, o que não é trivial numa atividade complexa e intensiva em
capital como a petrolífera.
O governo cria, então, a Petro-Sal para controlar os custos de
cada campo, entre outras funções -como cuidar dos trâmites
de comercialização do óleo estatal- que deveriam ser eminentemente técnicas. Capaz de influir em decisões empresariais
básicas, caso da contratação de
fornecedores, e sujeita a controle político do governo de turno e
de sua sempre notória "base
aliada", a Petro-Sal seria uma
porta escancarada para corrupção, negociatas e privilégios.
Outro ponto vulnerável à politização e à má alocação de recursos, bem como à acomodação típica dos monopólios, é a regra
que torna a Petrobras parceira
obrigatória da União em todos
os campos do pré-sal, com participação mínima de 30%. Dispensada da concorrência, terá no
entanto de participar mesmo
das empreitadas as quais o cálculo frio recomendaria recusar.
O poder discricionário do Executivo amplia-se também por
outros meios. Mesmo fora do
pré-sal, onde continuam valendo as regras da concessão -empresas disputam livremente o
direito de exploração num processo licitatório, e vence a que
oferecer o maior lance-, o governo poderá intervir. Basta que
considere, num simples decreto,
a região como de "interesse para
o desenvolvimento nacional" e
ela será retirada da competição.
Além disso, o privilégio já oferecido à Petrobras poderá ser
ampliado. A fim de preservar o
"interesse nacional", sem definir
bem o que isso significa, o governo poderá contratar apenas a
Petrobras, sem licitação, para
operar determinados campos.
Até aqui o governo Lula não
demonstrou que a sua proposta
será capaz de assegurar os investimentos necessários para a exploração das novas jazidas petrolíferas. Tomando-se os "chutes" mais conservadores acerca
do potencial do pré-sal, não é difícil que essa cifra ultrapasse
meio trilhão de dólares -ou 30%
do PIB-, diluído ao longo dos
anos. O modelo de concessões
oferece uma resposta satisfatória a esse problema, pois amplia
as fontes de investimento, por
meio de uma competição de escala global, e propicia antecipação de receitas ao governo.
A experiência mundial, decerto, mostra que modelos não são
decisivos para o sucesso de um
país na exploração do petróleo;
por vários caminhos e ajustes se
chega a um bom arranjo. O fundamental é o governo ampliar,
por meio de tributação ou dispositivos análogos, a sua participação na renda gerada pela atividade -e ser proibido, por lei, de
torrar os recursos em despesas
de custeio. Dadas a rarefação de
parâmetros técnicos e a falta de
definições que prevalecem na
proposta do Planalto sobre o
pré-sal, nem isso está garantido.
Por ora, o "passaporte para o
futuro" anunciado pelo presidente Lula pouco se distingue de
um panfleto eleitoral que já chega embolorado -tal o grau de dirigismo, privilégios e distorções
nele estampados.
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