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RODRIGO RÖTZSCH
Na base da desconfiança
A RELAÇÃO entre Barack
Obama e a América Latina
começou de forma promissora. Antes de mais nada, pelo simples fato de ele não se chamar
George W. Bush. Mas também pelos seus primeiros passos relativos
à região, notadamente a abordagem da questão cubana, com uma
abertura ao diálogo, o levantamento de algumas restrições e, ainda
que relutantemente, a adesão ao
consenso que garantiu a revogação
da suspensão da ilha da OEA.
Mas, nesse caso, a primeira impressão não foi a que ficou. Um outro pequeno país centro-americano, Honduras, foi a primeira pedra
no sapato da relação EUA-América
Latina. É verdade que Obama não
hesitou em dar apoio retórico ao
derrocado Manuel Zelaya. Mas é
verdade também que não passou
muito disso. Duras sanções econômicas, que poderiam dobrar o regime golpista, não vieram e, com a
campanha eleitoral para eleger o
sucessor de Zelaya já iniciada, se
vierem agora, já não devem vingar.
Já abalada pelo imbróglio hondurenho, a imagem de Obama entre seus pares sul-americanos sofreu outro baque com a negociação
para ampliar a presença militar
americana na Colômbia. A tática de
Obama de simplesmente dizer que
as bases não serão americanas, mas
sim bases colombianas para uso
americano, e que servirão só para o
combate ao narcotráfico exclusivamente dentro da Colômbia não
bastou para acalmar a desconfiança regional. Como disse Hugo Chávez, "os EUA podem até jurar ao
Vaticano", mas a América do Sul
não tem motivos para acreditar.
Enquanto isso, Lula, que sob
Bush ocupou o vácuo deixado pelos
EUA na região, pode até ser "o cara" para Obama, mas não conseguiu do americano as garantias jurídicas que pede para assegurar o
"bom uso" das bases ou mesmo a
aceitação do convite para que ele
discutisse o tema com seus colegas
sul-americanos durante a próxima
Assembleia Geral da ONU. Tampouco conseguiu, por ora, que os
EUA apertem o cerco a Honduras.
Assim, o efeito da lua de mel com
Obama e sua história de vida única,
como já acontece dentro dos EUA,
também vai pouco a pouco se diluindo na vizinhança. Por enquanto, o democrata ainda recebe uma
espécie de habeas corpus: Chávez e
seus aliados dizem que o "império"
continua fazendo e acontecendo
na região, mas à revelia de Obama,
e não por causa dele. Mas o legado
de Bush não servirá de álibi eterno.
Obama, desnecessário dizer, tem
problemas muito mais urgentes do
que a América Latina, como as
guerras, a economia e a reforma de
saúde, que consome sua popularidade. Mas terá de lidar com o tema
se quiser que continue existindo a
família feliz das Américas que celebrou a cúpula de abril, em Trinidad
e Tobago, como um "ponto de inflexão" nas relações regionais.
RODRIGO RÖTZSCH é editor de Mundo . Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Delfim Netto.
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