São Paulo, quarta-feira, 02 de setembro de 2009

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RUY CASTRO

A arrogância no chão

RIO DE JANEIRO - Artistas plásticos têm toda a liberdade do mundo para criar. Podem esculpir deuses sem braços ou com genitália infantil, pintar mulheres zarolhas ou de sorriso enigmático e promover as mais delirantes "instalações". Sua arte ou o que resultar dela talvez fique para sempre, mas será privilégio de museus, galerias ou bienais, acessível apenas aos que compram ingresso para vê-la.
Com a arquitetura é diferente. Um arquiteto tem uma ideia genial. Desenha o projeto e, tendo quem o banque, começa a pô-lo de pé. Um ou dois anos depois, sua ideia se tornou um complexo de concreto, vidro, fibras, ferro e madeira, plantado numa cidade. E, 400 anos depois, exceto em caso de guerra, terremoto ou tsunami, continuará firme no lugar, desafiando gerações.
Donde a responsabilidade social do arquiteto é maior. Ele pode ser tudo, menos arrogante e autossuficiente -pois milhões de cidadãos terão de conviver com sua criação, talvez até morando ou trabalhando nela. E, se não se pode agradar a todos, é possível desagradar à imensa maioria. É o caso da passarela cravada em Ipanema em 1996, capricho de um arquiteto vaidoso bancado por um prefeito idem.
Ao projetá-la, seu criador não considerou as famílias dos prédios próximos, que ela expunha à visitação pública. Diante da grita, o poder teve de voltar atrás e deixá-la incompleta, ligando o nada a nada. Reduzida a um pórtico encardido, a passarela levou esses 13 anos servindo de abrigo de mendigos, refúgio de ladrões e mijódromo, aviltando os imóveis, o comércio e o charme da região.
Atendendo ao clamor popular, a prefeitura, sob nova administração, demoliu-a neste domingo. A cada bloco de cimento e ferragem que ia ao chão, o povo de Ipanema, lindamente vingado, vibrava como se comemorasse um gol.


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