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RUY CASTRO
A arrogância no chão
RIO DE JANEIRO - Artistas plásticos têm toda a liberdade do mundo para criar. Podem esculpir deuses sem braços ou com genitália infantil, pintar mulheres zarolhas ou
de sorriso enigmático e promover
as mais delirantes "instalações".
Sua arte ou o que resultar dela talvez fique para sempre, mas será privilégio de museus, galerias ou bienais, acessível apenas aos que compram ingresso para vê-la.
Com a arquitetura é diferente.
Um arquiteto tem uma ideia genial.
Desenha o projeto e, tendo quem o
banque, começa a pô-lo de pé. Um
ou dois anos depois, sua ideia se tornou um complexo de concreto, vidro, fibras, ferro e madeira, plantado numa cidade. E, 400 anos depois, exceto em caso de guerra, terremoto ou tsunami, continuará firme no lugar, desafiando gerações.
Donde a responsabilidade social
do arquiteto é maior. Ele pode ser
tudo, menos arrogante e autossuficiente -pois milhões de cidadãos
terão de conviver com sua criação,
talvez até morando ou trabalhando
nela. E, se não se pode agradar a todos, é possível desagradar à imensa
maioria. É o caso da passarela cravada em Ipanema em 1996, capricho de um arquiteto vaidoso bancado por um prefeito idem.
Ao projetá-la, seu criador não
considerou as famílias dos prédios
próximos, que ela expunha à visitação pública. Diante da grita, o poder
teve de voltar atrás e deixá-la incompleta, ligando o nada a nada.
Reduzida a um pórtico encardido, a
passarela levou esses 13 anos servindo de abrigo de mendigos, refúgio de ladrões e mijódromo, aviltando os imóveis, o comércio e o charme da região.
Atendendo ao clamor popular, a
prefeitura, sob nova administração,
demoliu-a neste domingo. A cada
bloco de cimento e ferragem que ia
ao chão, o povo de Ipanema, lindamente vingado, vibrava como se
comemorasse um gol.
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