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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve haver um fundo público para financiar as campanhas eleitorais?
SIM
Contra a política venal e secreta
ROBERTO ROMANO
A corrupção raramente é punida
nas urnas. Indivíduos vulgívagos e
seus agrupamentos são premiados, o
que ameaça qualquer República democrática. Tal realidade não é privilégio do
Brasil. A licença ética deve-se em grande
parte ao financiamento dos partidos.
Norberto Bobbio aponta a base dos
malefícios eleitorais: todos os candidatos agem para conquistar o poder, mas
boa parte deles, quando nos cargos, adquire vantagens privadas. No mercado
político o domínio se consegue com votos. Um modo eficaz para ganhar semelhante "moeda" é "servir-se do mando
para auferir benefícios, mesmo pecuniários, ao empregar as vantagens do
poder. Este custa, mas rende. Se custa,
deve render. O jogo é arriscado, em certos instantes ele custa mais do que rende, quando o candidato não se elege;
mas ele rende mais do que custa"
("Quale il rimedio?", "L'Utopia Capovolta", La Stampa, 1990).
O político, quando a fiscalização é
inoperante, compra votos. Depois vende recursos coletivos. A corrupção
constitui um segredo... Conhecido pela
sociedade inteira, mas não se podem indicar os nomes dos envolvidos. Apenas
as CPIs, a vigilância do MP, a redobrada
atenção dos contribuintes, a imprensa
livre e os movimentos civis (como a
Transparência Brasil) diminuem a opacidade em que germina o dito comércio.
O financiamento público das campanhas não produz milagres. Como todo
remédio amargo, tem contra-indicações. Sempre é preciso aplicar um foco
de luz nos assuntos eleitorais. A medida
indicada impõe normas verificáveis na
aplicação de recursos e mostra o caminho que vai do tesouro coletivo aos cofres das campanhas. As "dádivas" dos
corruptores deixam de ser o arrimo dos
partidos; a sombra da corrupção fica
mais nítida no pano de fundo dos recursos oficiais.
O recurso público atenua a iniqüidade
hoje existente na corrida eleitoral. O
partido que preza a ética sempre sai em
desvantagem diante dos que já venderam -em segredo- o exercício do
cargo a interesses privados. Candidatos
retos também dependem de propaganda e não chegam ao poder apenas com
boa vontade. A política, hoje, passa pela
mídia, e esta custa muito caro.
Os princípios éticos pertencem à ordem subjetiva e se comprovam apenas
nos atos de governo. É naquelas ações
que a fala dos eleitos adquire plena visibilidade. A dissimulação tem sido arma
predileta das pessoas que execram determinados segmentos econômicos,
mas na verdade são financiadas, no escuro, exatamente por eles. A direção
econômica desvela os compromissos
feitos à socapa. Existe a pletora dos partidos "de interesses a serviço de seus
criadores e exploradores", que "fazem
qualquer negócio, como bem demonstra a experiência de inúmeros pleitos
eleitorais" (Goffredo Telles Jr., "O Povo
e o Poder", Malheiros, 2003).
Agrupamentos éticos podem regredir
ao status de partidos de interesses. Não
existe "capital ético" amealhado no pretérito para garantir nenhum futuro, não
importa o que faça um partido. A ética
se afirma nos atos, e jamais com o palavrório dos que incensam o poder. E a licença nunca foi privilégio da política.
Ela se apresenta mesmo nas igrejas mais
veneráveis .
Até data recente, entretanto, as barganhas eleitorais favoreciam empresas e
organismos cujo acesso não era uma
impossibilidade absoluta para os fiscais
do Estado e da ordem civil. Com as drogas e o terrorismo, as quadrilhas conseguem financiar políticos no Executivo e
no Legislativo e ameaçam o Judiciário.
Aplicar recursos públicos nas campanhas permite identificar o que, nelas,
tem origem espúria. É um tênue cordão
sanitário, que produz bons resultados
quando os fiscais -especialmente a
Justiça- sabem utilizá-lo.
Objeções são possíveis ao financiamento público das campanhas. A mais
grave é a acomodação burocrática dos
partidos, desde que atingida uma estatura que lhes permita concorrer sem riscos demasiados. Mas os partidos existem para a conquista do mando. Se um
deles não se aplica à busca de controlar
a direção estatal, certamente diminuirá,
mesmo sem financiamento público.
Não existem panacéias para a política
brasileira, dominada por oligarcas. Mas
toda medida que diminua a opacidade
política (e as relações dos partidos com
o mercado lícito ou ilícito) é bem-vinda.
O caminho para atenuar a corrupção
não vai do poder enquanto "mercadoria" à sua compra e venda. Os eleitores
adquirem, nas eleições em que o vitorioso é corrupto, uma esperança ilusória contra o medo. Existe licença porque
não imperam a segurança, o respeito e a
translucidez no Estado; porque o pavor
domina a sociedade e gera complacência com bandidos de colarinho branco
que chegam aos palácios. Sábio Maquiavel: "O crime provoca o medo; o
medo busca meios de proteção; estes reclamam partidos; os partidos criam as
facções que dividem as cidades e originam a ruína dos Estados" ("Comentários à Primeira Década de Tito Lívio").
Roberto Romano, 58, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp.
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