|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve haver um fundo público para financiar as campanhas eleitorais?
NÃO
Riscos, falhas e falsas promessas
BRUNO SPECK
A experiência das democracias
contemporâneas mostra que as
fórmulas clássicas para suprir as necessidades de financiamento político (pequenas contribuições de filiados e simpatizantes) não são suficientes para o financiamento de organizações partidárias e competições eleitorais.
A distância entre capacidade de gerar
receitas e necessidade de financiar gastos eleitorais se alargou em praticamente todas as democracias na segunda metade do século 20. Para cobrir esse déficit, partidos e candidatos recorreram a
doações privadas de grande volume,
tanto de pessoas físicas como de empresas. Os legisladores nos diferentes países
reagem a essa prática e aos problemas
decorrentes dela tentando equilibrar
ideais democráticos com a real capacidade de implementação de regras.
O projeto de lei que tramita no Congresso é uma proposta radical, sem precedente em outros países. Pela proposta, o financiamento privado das eleições
estaria proibido. Paralelamente, o valor
do financiamento público dos partidos
seria aumentado dos cerca de R$ 120
milhões ao ano, atuais, para R$ 850 milhões, a serem alocados em anos eleitorais. Seriam então os problemas notoriamente ligados ao financiamento eleitoral privado -corrupção, caixa dois e
competição desigual entre candidatos- resolvidos com a introdução de
um sistema de financiamento público
exclusivo, cortando de vez a ligação perigosa entre política e dinheiro privado?
Essa proposta envolve vários riscos e
não leva em conta a experiência acumulada no Brasil e em outros países. Primeiro, porque a vedação completa de
qualquer outra fonte de financiamento
poderá resultar numa legislação de fachada. Era assim antes de 1993, quando
a lei proibia qualquer financiamento de
campanha por empresas.
Segundo, o financiamento público exclusivo não muda nada em relação à
prática do caixa dois em campanhas. Há
muitos indícios de que essas doações ou
vêm do caixa dois da empresa, ou são
provenientes de atividades criminosas,
ou representam investimentos cujos dividendos serão cobrados após a eleição.
Essa constelação permanecerá inalterada em um sistema de financiamento
público exclusivo.
Terceiro, a aposta no financiamento
exclusivo por recursos públicos extrapola os riscos e desvantagens vinculados a esse tipo de financiamento. Ao receber recursos do Orçamento, o partido
perde o incentivo de aumentar a sua base e buscar apoio entre os cidadãos. O financiamento público tem por definição
um fortíssimo caráter "self-service". Os
partidos tendem a definir ou redefinir
os valores e não prestarão mais contas a
filiados ou simpatizantes das suas propostas políticas.
Quarto, a exclusividade dos recursos
públicos aumenta a responsabilidade
sobre a forma de distribuição desses recursos. Quem receberá quanto? A forma atual de distribuição, que permanecerá com pequenas modificações, é
questionável, porque aqueles que ganharam a última eleição também terão
mais recursos disponíveis para o próximo pleito. No limite, essa fórmula pode
levar a um círculo vicioso, tanto enfraquecendo sucessivamente a oposição,
como fortalecendo os vencedores.
Quinto, em qualquer sistema que aloca recursos públicos surge automaticamente a possibilidade de usar a punição
do partido através do corte dessas verbas, em função de problemas na correta
alocação de recursos. O poder conferido
à Justiça Eleitoral seria enorme. Não
precisamos de muita imaginação para
construir cenários em que o possível
corte de recursos decidiria sobre o sucesso eleitoral de partidos ou candidatos. Conseqüentemente, a Justiça Eleitoral sofreria pressões políticas para implementar punições financeiras.
Sexto, o financiamento público exclusivo da competição eleitoral na proposta em questão é combinado com o financiamento privado dos partidos políticos. Na prática, a divisão entre o financiamento da competição eleitoral e o
custeio permanente da máquina partidária se torna difícil. Há muitos vasos
circulantes entre esses dois orçamentos.
Manter dois sistemas com lógicas de financiamento tão diferentes um ao lado
do outro pode ser um convite para
achar soluções alternativas.
Creio que o assunto do financiamento
político precisa de menos idealismo jacobino e uma forte dose de "Realpolitik". Na verdade, o Brasil já andou um
bom pedaço nessa direção, a partir das
reformas iniciadas em decorrência do
escândalo Collor-PC. O sistema atual
tem ainda falhas e é certo que reformar é
preciso. O TSE teve um papel decisivo
nesse processo, usando a sua competência normativa para transformar a
prestação de contas sobre eleições de
papel morto em peças acessíveis e transparentes para o público. A decisão de
aplicar a mesma regra às contas partidárias, a partir de 2005, é um passo certeiro na mesma direção. É importante que
o legislador mantenha esse rumo.
Bruno Wilhelm Speck, professor de ciência política na Unicamp, é conselheiro da Transparência Brasil.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Romano: Contra a política venal e secreta Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|