São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sesc e Senac em perigo

ABRAM SZAJMAN


Do Senado, mediador dos interesses de ordem pública e privada, espero a reabertura dos debates acerca desse projeto de lei


NOS ÚLTIMOS dias, o país, em certa medida e com razão, "parou" por causa das eleições. Pouco se falou sobre temas que não tinham relação direta com o processo eleitoral. Hoje, independentemente da existência ou não de segundo turno, temos o dever de voltar nossos olhos para outros pleitos que também merecem nossa urgente atenção. Um deles, bastante preocupante, é o que põe em risco o Sesc e o Senac.
Após aprovação na Câmara dos Deputados, está em tramitação no Senado, em regime de urgência, o projeto de lei complementar nº 100/06, chamado de Supersimples. Por seu parágrafo 3º, artigo 13, as microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas do recolhimento das contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, tais como Sesc e Senac.
A despeito dos benefícios que essa futura lei trará ao país -a diminuição e a unificação de impostos e contribuições, a formalização das empresas e, portanto, a inclusão socioeconômica de muitos empresários, o aumento dos empregos formais e da arrecadação para o INSS, entre outros-, me preocupa deveras o fato de a reforma fiscal estar restrita ao sistema tributário e, este, entendido unicamente como um tema de ordem econômica.
Mesmo tendo havido um debate público, no qual governo, partidos políticos e entidades da sociedade civil registraram opiniões e sugestões para a elaboração do projeto de lei, ele peca por não preservar conquistas caras à sociedade brasileira, ainda cindida entre o mais alto desenvolvimento e a miserabilidade da população.
E quais são essas conquistas? São os serviços destinados aos trabalhadores do comércio e serviços e seus dependentes oferecidos por instituições sem fins lucrativos, as quais são mantidas exclusivamente pela classe empresarial, sem onerar os empregados e os cofres públicos.
São elas o Sesc e o Senac, que, há 60 anos, seguindo os preceitos delineados pela Carta da Paz Social, trabalham para o bem-estar social, para a melhoria da qualidade de vida e para o desenvolvimento cultural desses trabalhadores, cultivando valores de cidadania e participação social responsável. Além -e fundamentalmente- de gerar empregos, atendendo diferentes grupos de profissionais.
Quando ainda não se falava da função social da empresa, o empresariado do comércio e serviços -e também da indústria- já contribuía com a geração de riquezas e empregos, com a formação de empreendedores e com o estabelecimento de parcerias, sempre tendo por meta a transformação e a justiça social. Hoje, mais do que nunca, não há como conceber desenvolvimento econômico dissociado da prosperidade social.
Por isso, meu alerta para o que esse projeto de lei pode significar.
1) A exclusão de um benefício que pertence ao trabalhador há 60 anos. Ressalte-se que os trabalhadores das micro e pequenas empresas são os maiores usuários do Sesc e do Senac, e serão esses trabalhadores que perderão o direito de usá-los.
2) A interrupção de um projeto de formação de trabalhadores aptos, críticos, participativos e integrados à sociedade.
3) A diminuição da expansão física de seus centros culturais, desportivos e educativos, ou até mesmo sua limitação ou impossibilidade de uso.
4) A redução das ações socioeducativas de cada uma das entidades, hoje consideradas modelares por diferentes setores da sociedade brasileira e por organismos internacionais.
5) A circunscrição do trabalhador a um mero consumidor de bens materiais, distante da essência que o torna cidadão: qual seja, a possibilidade e a oportunidade de instruir-se, de capacitar-se, de ter lazer, de ter acesso às manifestações artísticas, de praticar um esporte, de ter orientações para melhorar e preservar sua saúde, de poder viajar com sua família, enfim, de estar incluído, de sentir-se incluído e crente na possibilidade de desenvolvimento permanente.
Neste momento, o sistema tributário, reduzido ao debate econômico, só faz empobrecer as ações, desenvolvidas há anos pelo Sesc e pelo Senac, de assistência social, de educação social, de atividades comunitárias, de diferentes ocupações do tempo livre e de democratização do acesso à cultura e à educação para o trabalho e para a vida harmônica em sociedade.
Do Senado Federal, mediador dos interesses de ordem pública e privada, espero a reabertura do debate acerca desse projeto de lei. Pois diminuir impostos comprometendo as ações sociais e, em especial, as ações na área da educação qualificada, só fará aumentar ainda mais a desigualdade e os graves problemas de toda ordem em nosso país. Fato inaceitável no limiar do século 21.

ABRAM SZAJMAN , 67, empresário, é presidente da Federação do Comércio no Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc e do Senac.


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