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MARCOS NOBRE
Venezuela, Brasil
HÁ UMA CARICATURA da situação na Venezuela segundo a qual Hugo Chávez
enfrentou as elites e dividiu o país.
Em uma interpretação, tornou-se
um tirano populista que minou as
liberdades democráticas. Em outra, tornou-se o primeiro a se ocupar de distribuir renda e permitir a
participação popular.
As coisas são sempre mais complicadas que isso. Mas a caricatura
funciona como verdade no debate
político de outros países.
No Brasil, a disputa política está
longe de golpes de Estados, de não-renovação de concessões de TV, de
milícias organizadas em trincheiras. Mas a caricatura venezuelana
permanece como pano de fundo.
A era Lula consolidou um cenário em que a disputa se dá sobre
margens e ritmos de redução da
desigualdade sobre um consenso
partilhado, que é o da política econômica e do gerenciamento político estabelecidos no segundo mandato de FHC. Colocar em questão
os máximos e os mínimos das margens em disputa é o limite de radicalidade desse sistema tal como organizado hoje.
O uso da caricatura da situação
venezuelana serve para afastar o
debate desse limite possível de radicalidade. Reduz problemas importantes -como o dos padrões de
distribuição de renda, no caso da
CPMF, por exemplo- a disputas
menores. O debate público fica travado em uma guerra de posições, e
sua solução fica jogada para o terreno obscuro das negociações de
balcão no Parlamento.
A oposição tenta colar a imagem
de Lula a Chávez. Uma espécie de
estratégia Regina Duarte de amedrontamento do eleitorado que
apela para os preconceitos de classe mais desabridos.
Lula usa a "venezuelização" a seu
favor. Quando apareceu o movimento "Cansei", disse que ninguém colocava mais gente na rua
que ele.
Para tirar o foco do episódio do
mensalão (que ignorou solenemente) e para tentar mostrar perfil
próprio, o PT resolveu apoiar o
chamado plebiscito da Vale, aprovou a descriminalização do aborto
e decidiu "acompanhar" a renovação de concessões de TV. Não faltaram figuras de primeiro escalão do
partido e do governo para dizer
imediatamente que eram decisões
inócuas.
Na conturbada história da democracia no Brasil, é um avanço
que haja figuras conservadoras a
defender "a elite" no debate público. Mas isso mostra também que
fazer a discussão em termos de um
a favor ou contra "as elites" passou
a ser um jogo ele mesmo conservador.
A "venezuelização" é hoje fogo
de artifício. Serve à ilusão de que
confrontos radicais estão em curso. Seu efeito real é apenas o de
manter a política brasileira em fogo brando até as eleições de 2010.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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