São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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COBERTOR CURTO

As perdas de reservas levaram as autoridades brasileiras a uma estratégia de tentar antecipar receitas.
Uma fórmula é renegociar o adiantamento dos pagamentos dos investidores internacionais que ganharam leilões recentes de privatização.
Outra hipótese é voltar ao mercado internacional, onde bancos e empresas privados se endividaram nos últimos anos, e aumentar o endividamento público. Para tanto, as autoridades brasileiras podem oferecer como garantia receitas como as que serão geradas com a venda de energia de Itaipu. A engenharia financeira incluiria a troca de dívidas com a Eletrobrás e a colocação de novos papéis no exterior. O México, quando entrou em crise, deu como garantia o resultado de suas vendas de petróleo.
São estratégias bastante criativas e, diante da crise financeira que se aprofunda, tentam evitar o pior.
Entretanto, mesmo supondo que elas sejam bem-sucedidas no curto prazo, são bastante problemáticas.
Como nos anos 80, mais uma vez se enfrenta o problema da dívida externa provocando mais dívida externa.
Ao mesmo tempo, esse novo endividamento compromete cada vez mais as receitas públicas. É como a velha história do cobertor curto. No caso, o cobertor é a arrecadação futura. Antecipar receitas pode deixar sem cobertura os períodos futuros, quando vencerá a dívida ampliada.
Na prática, essas antecipações podem ter efeito oposto ao desejado, comprometendo a confiança do mercado na futura solvência do país.
Talvez não seja por acaso, aliás, que se fala cada vez mais, nos círculos financeiros privados e também nos organismos multilaterais como o FMI, numa nova rodada de reestruturação das dívidas de países emergentes.
Em política, há quem acredite que em certos momentos "é melhor fazer a revolução antes que o povo a faça". Na crise financeira global, esquemas provisórios têm se mostrado flagrantemente insuficientes. Talvez seja melhor para credores e devedores reestruturar o quanto antes as dívidas, antes que elas se tornem efetivamente impagáveis.



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