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Uma eleição sem partidos
JOSÉ SARNEY
Meu avô contava a história de um
político que entrou num cemitério e
parou diante de um túmulo, onde estavam escritas as velhas palavras:
"Aqui repousa em paz fulano de tal".
Ele escreveu embaixo: "Porque nunca
concorreu a uma eleição". Nem depois de morto tem paz.
A bolorenta caminhada institucional
brasileira faz com que esse ato fundamental da cidadania seja um martírio
para os candidatos e, também, para os
eleitores, submetidos a todas as armadilhas e cantochãos. O horário eleitoral, uma inovação, passou para muitos a ser uma chateação. Foi uma conquista do avanço tecnológico, com a
urna eletrônica, e transformou pessoas em números: "Eu sou o 15.158,
curso superior, barbeiro de profissão
e alfaiate de coração. Vote em mim".
Com essa numerologia toda, não é difícil encontrar eleitor que ache que
não vota em candidato que tenha 7,
outros que guardam a superstição do
13 e alguns com antipatias por outros
números. Temos a segunda democracia do mundo ocidental pelo número
de votantes, e paradoxalmente a primeira convocação não é de conscientização nem chamamento do dever cívico, mas ensinar a votar e sugerir
aquilo que nas escolas é pecado: colar.
O grande ausente da democracia
brasileira continua sendo o partido
político. Nesta eleição nem falar. Todos, quando não silenciavam, escondiam a sigla em letras quase ilegíveis.
E não existe democracia forte sem
partido político forte.
O nosso sistema eleitoral do voto
proporcional uninominal só existe no
Brasil. É desintegrador dos partidos e
não estimula lealdades nem a idéias
nem a programas.
O Brasil não tem como aprofundar o
seu processo democrático nem aperfeiçoar as instituições com esse sistema. No fundo vivemos num país de
democracia formal. Os líderes políticos, matriculados em siglas que não
dizem nada, são as verdadeiras instituições. É um processo de pessoas, legitimado pela conduta individual de
alguns brasileiros que têm a paixão da
vida pública.
Nada mais urgente do que a reforma
política. Necessitamos ter a coragem
de implantar o voto distrital, estabelecer critérios para criação e funcionamento de partidos políticos. Com o
voto distrital sobrevivem somente os
verdadeiros partidos, extinguem-se
por inanição os ilegítimos, cria-se vida partidária, formam-se maiorias estáveis, surge a fidelidade como única
maneira de sobrevivência de qualquer
carreira política, diminuem os gastos
nas eleições.
Não há democracia moderna sem
esse arcabouço. O voto proporcional é
um fóssil do século 19, defendido pelos positivistas, mantido pela necessidade de abrir espaços para um tempo
da utopia ideológica, e nem a esta serviu.
A democracia moderna tem muito
mais a ver com a governabilidade do
que com a retórica.
O sistema eleitoral brasileiro é caótico, não funciona e coloca sempre as
instituições à beira de um desastre. A
grande reforma histórica e definitiva
para o país é a reforma política. Deve
ser urgente e obra de um grande pacto
nacional.
O ponto de partida é o voto distrital,
que pode ser puro ou misto. Qualquer
modelo é melhor que este e deve vir
logo.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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