São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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Quatro vidas

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Cláudio tinha 36 anos, duas filhas e fazia aniversário naquele dia. Mas era perito criminal e tinha que trabalhar. Perito criminal é aquele especialista glamouroso dos filmes americanos, mas que no Brasil serve para constar, na maioria dos casos. Chega à cena do crime depois de todo mundo, quando as provas, indícios e pistas já foram prejudicados pela inabilidade dos policiais.
Mas Cláudio foi fazer seu trabalho, aliás com a própria motocicleta, porque o carro da perícia está quebrado há três meses. Tinha que examinar as circunstâncias de um homicídio, num lugar barra-pesada da Baixada Fluminense.
Quando chegou lá, o corpo já tinha sido levado embora pelo rabecão. Mas a bandidagem local estava por ali. Cláudio foi executado com seis tiros.

O espanhol Manoel Barca, o Manolo, se preparava para voltar ao país de origem. Depois de 42 anos de Brasil, ia deixar o restaurante do Alto da Boa Vista e retornar a La Coruña em tempo de assistir à festa de São Vicente.
Mas o santo de Manolo não era forte: três assaltantes entraram no estabelecimento e recolheram a féria do dia. Foi quando apareceu Alexandre, guardador de carros, surdo e mudo. Ele se assustou e assustou os bandidos, que dispararam para todo lado.
Uma bala atingiu a nuca de Manolo, matando-o.

Margarete mora em Bangu, mas agita uma bandeira com o nome de Fernando Henrique e Moreira Franco na Visconde de Pirajá, Ipanema. Está ganhando R$ 5 mais o lanche. Bom demais. Havia três meses que Margarete não conseguia trabalho algum. Por ela, agitava bandeira, de qualquer candidato, o resto da vida.

Emerson pede trocados pelas ruas do Leblon. A roupa molhada da chuva o deixa ainda mais magro, raquítico. Por isso mesmo, as pessoas se condoem mais, e as esmolas aumentam. Apesar do frio, ele sorri, inexplicavelmente com todos os dentes perfeitos. "O movimento tá bom demais hoje."



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