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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Lição americana
Hoje votam os Estados Unidos.
Para o Brasil, a lição mais importante do pleito americano -seja qual
for o resultado- tem a ver com fé no
potencial transformador da política.
Muitos americanos não crêem no Estado e muitos -desinformados e inconscientes- não votam. A metade
do país que vota acredita, porém, até
com intensidade, em vida pública.
Acredita porque a experiência contemporânea confirma o quanto é decisivo para a trajetória da nação o desfecho das lutas políticas.
Dois grandes projetos marcaram os
últimos três quartos de século de história americana: o de Roosevelt e o de
Reagan. Ambos demonstraram o poder da política para mudar o país. Ultrapassaram a rotina das pequenas
composições. Definiram rumo, inicialmente descartado como extremista: não uma planilha, mas a idéia de
uma direção e dos primeiros passos.
Apesar de ainda contar com a simpatia de metade da nação, o Partido Democrata não consegue reanimar o
projeto de Roosevelt ou substituí-lo.
Em vez de oferecer proposta que atenda aos anseios da maioria trabalhadora, contenta-se em defender minorias
e em suavizar a diretriz dos adversários. Já os Republicanos contrabalançam a antipatia criada por seus acertos
plutocráticos recorrendo a estratégia
de poder apoiada em três bases: a sensação de estar o país sitiado por mundo sobre o qual projeta seu poder, os
ressentimentos contra o "liberalismo"
dos Democratas em matéria de vida
familiar e a desconfiança na eficácia
do ativismo social e econômico dos
governos.
Diferente é o que acontece em países
europeus como a França e a Alemanha. Os governos social-democratas
aderiram ao mesmo formulário neoliberal dos conservadores. No máximo,
tentaram preservar, como última linha de defesa do modelo europeu, os
direitos sociais. Nada -nem mesmo
os mercados financeiros- os obrigou
a essa rendição; simplesmente não
vislumbraram alternativa. Falta de
clareza ajudou a gerar excesso de medo. Não se entregou a esse ideário, porém, o eleitorado. Inconformado com
a rendição dos governos, passou a repudiar todos eles. Desilusão com os
governos favoreceu descrença na política. E deu vida à antipolítica dos nacionalistas de direita.
E o Brasil? Reproduz-se em facção
influente da classe média a descrença
européia na política. O discurso que
difunde esse derrotismo é uma fantasia pseudo-realista. Lê-se nas linhas e
nas entrelinhas de nossos jornais: os
políticos são todos iguais; a idéia de
projeto nacional é resquício romântico e salvacionista; conformemo-nos
em cobrar modestas decências e eficiências. Não é a natureza eterna da
política que empresta plausabilidade a
essa mentira venenosa e servil: é a
constatação circunstancial de que os
que representariam a alternativa se
renderam ao ideário de seus oponentes. E tanto é assim que ninguém no
Brasil em 1889, 1930, 1945 ou 1964 se
teria deixado enganar por essa cantiga
de adormecer.
A solução é uma só: demarcar caminhos e lutar por eles. Temos de fazer, a
nosso modo, o que fizeram os Estados
Unidos em seus dois séculos de ascensão à primazia mundial: levantar escudo econômico, político e militar que
proteja nossa insubordinação e nosso
experimentalismo; acreditar na democratização de oportunidades como
o grande motor do avanço nacional e
ousarmos ser diferentes para podermos ser nós mesmos. Para isso, é preciso reconhecer que política é destino:
o destino que nos damos.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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