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RUY CASTRO
Vício ou dependência
RIO DE JANEIRO - A palavra "dependente" começa a se cristalizar
no universo da droga. Passou a
constar da linguagem das famílias,
da imprensa e até da polícia, substituindo aos poucos a antiga e rançosa "viciado", para se referir a uma
pessoa presa de uma substância que
lhe altera os sentidos e da qual ela
parece não poder prescindir. Para
alguns, talvez seja uma firula semântica, sem maior significado. Para outros, é um avanço rumo à compreensão do problema.
"Viciado" carrega um estigma de
deboche e libertinagem -uma espécie de síndrome de Baudelaire e
Edgar Poe no século 19, sem a grandeza literária de ambos-, tornando
quase indefensável quem possa ser
definido por ela. É sinônimo de
sem-vergonha, de alguém que, "podendo levar uma vida regular e estável", prefere encher a cara às 7h
da manhã no botequim ou meter-se
pelas cafuas em busca de droga.
Supõe-se que o viciado seja assim
por vontade própria. Se não se
emenda é porque lhe falta força de
vontade, sólida formação moral ou,
mais uma vez, vergonha na cara. A
tal vida regular e estável não lhe interessa -ele só quer a esbórnia.
Tudo bem, mas e se essas escolhas já não estiverem ao seu alcance? É comum que o sujeito ainda
disponha de uma centelha de lucidez, que lhe permitiria parar com as
substâncias, recuperar-se e salvar-se. Mas o condicionamento orgânico, alheio à sua vontade, é mais forte -esmaga a sua razão e não o deixa cortar o fornecimento. É a dependência, e é uma doença.
A compreensão do problema não
inocenta os que matam sob o efeito
da droga. Mas é importante para fazer o Brasil enxergar os seus milhões de dependentes, discutir a sério a descriminação e a saúde pública, e começar uma campanha maciça de esclarecimento e prevenção
-nossa única chance de futuro.
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