São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

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RUY CASTRO

Vício ou dependência

RIO DE JANEIRO - A palavra "dependente" começa a se cristalizar no universo da droga. Passou a constar da linguagem das famílias, da imprensa e até da polícia, substituindo aos poucos a antiga e rançosa "viciado", para se referir a uma pessoa presa de uma substância que lhe altera os sentidos e da qual ela parece não poder prescindir. Para alguns, talvez seja uma firula semântica, sem maior significado. Para outros, é um avanço rumo à compreensão do problema.
"Viciado" carrega um estigma de deboche e libertinagem -uma espécie de síndrome de Baudelaire e Edgar Poe no século 19, sem a grandeza literária de ambos-, tornando quase indefensável quem possa ser definido por ela. É sinônimo de sem-vergonha, de alguém que, "podendo levar uma vida regular e estável", prefere encher a cara às 7h da manhã no botequim ou meter-se pelas cafuas em busca de droga.
Supõe-se que o viciado seja assim por vontade própria. Se não se emenda é porque lhe falta força de vontade, sólida formação moral ou, mais uma vez, vergonha na cara. A tal vida regular e estável não lhe interessa -ele só quer a esbórnia.
Tudo bem, mas e se essas escolhas já não estiverem ao seu alcance? É comum que o sujeito ainda disponha de uma centelha de lucidez, que lhe permitiria parar com as substâncias, recuperar-se e salvar-se. Mas o condicionamento orgânico, alheio à sua vontade, é mais forte -esmaga a sua razão e não o deixa cortar o fornecimento. É a dependência, e é uma doença.
A compreensão do problema não inocenta os que matam sob o efeito da droga. Mas é importante para fazer o Brasil enxergar os seus milhões de dependentes, discutir a sério a descriminação e a saúde pública, e começar uma campanha maciça de esclarecimento e prevenção -nossa única chance de futuro.


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