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DEMÉTRIO MAGNOLI
A nação segundo Lula
No passado recente, a direita
anacrônica não escondia seu desdém diante de Lula, esse líder destituído de diplomas ou títulos, "despreparado" e "semi-analfabeto". Hoje, essa
gente compartilha a mesa de jantar de
Lula, negocia cargos nos altos escalões
da República e enaltece a "história de
vida" do metalúrgico que virou presidente. Enquanto isso, o velho cantochão ressurge no lugar mais inesperado, por meio das vozes de uma esquerda que se equilibra precariamente nas vertentes da montanha do poder.
O líder do MST João Paulo Rodrigues qualificou Lula de "amigo histórico da causa" e "aliado" dos sem-terra, lançando a culpa pela lentidão dos
assentamentos no ministro Antonio
Palocci e no presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que "retiram
verbas do social". O demitido Carlos
Lessa, um neo-nacionalista e neo-populista, segundo seu curioso auto-retrato, descobriu repentinamente que "Lula está sendo enganado pela elite
brasileira e pela elite mundial" numa
"manobra astuciosa para frustrar os
sonhos populares". Eis a nova versão
do antigo preconceito, que agora narra a história do herói popular iludido,
nobre de coração, vazio de idéias.
Lula, contudo, tem uma concepção
de nação e de futuro. No núcleo do seu
pensamento político encontra-se a
idéia da nação como unidade orgânica, sentimental e hierárquica, que se
traduz pela metáfora da família, repetida amiúde nos improvisos presidenciais. Nessa moldura, a dissensão é um desvio infantil tolerável: o presidente
trata o povo, especialmente "os mais
pobres", como seus próprios filhos. A
nação-família não comporta partidos
ideológicos. Lula sonha, como declarou, com a unificação entre PT e PSDB
e, desde já, monta uma "coalizão" fisiológica com PMDB, PTB, PP e clã
Sarney.
A nação-família persegue o "bem
comum" e opera por meio do consenso. Empresários, sindicatos e Estado
negociam num foro tripartite as reformas sindical e trabalhista. Pela via das
acalentadas Parcerias Público-Privadas, Estado e empresários investirão
juntos nas obras de infra-estrutura,
erguendo uma nova casa para o Brasil.
Os protestos das classes médias e dos
trabalhadores organizados evidenciam egoísmo e irritam o presidente.
A miséria é outra coisa: uma fonte de
perigosas tensões sociais e uma nódoa
na imagem da nação. A cura desse mal
está no Fome Zero, um guarda-chuva
de políticas assistenciais, uma marca
publicitária de gênio e uma plataforma de política externa.
O Brasil sempre foi o país do futuro.
O Brasil de Lula é uma mudança na
"história da humanidade": a nação
que desperta de um longo sono, "muda a geografia do mundo" e antecipa o
futuro. A nova potência quer o comércio que traz riqueza, mas, sobretudo,
almeja um lugar ao sol na comunidade das nações. A campanha frenética
pela cadeira no Conselho de Segurança da ONU é uma jornada em busca
de respeito e de prestígio. Isso, na visão de Lula, bem que vale a sustentação militar de um regime ilegal e violento no Haiti.
O pensamento político de Lula não é
original. Seu substrato é salvacionista.
Suas raízes repousam no patrimonialismo brasileiro tradicional. Seus conceitos recombinam, no caldo de uma orientação econômica ultraliberal,
fragmentos do corporativismo de
Vargas, do desenvolvimentismo conservador de JK e do projeto de potência dos militares. Uma coisa é certa: Lula não é um fantoche e governa com
seu próprio programa.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
magnoli@ajato.com.br
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