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CARLOS HEITOR CONY
Dois machados
RIO DE JANEIRO - Aproveito os dias de tratamento médico para reler com
calma a obra de Machado de Assis.
São vários volumes, numa edição
bem apresentada. Machado é de longe o nosso maior escritor, o único de
dimensão universal. Digo universal e
não internacional -que são coisas e
qualidades diversas.
Machado é mal traduzido e divulgado no exterior. Não importa. É o
nosso único escritor que atinge a essência, o fundamento do ser humano, da humana contingência, do absoluto não-sentido da faina que nos
oprime.
Seus contos e romances são repetitivos, as situações e os personagens são
quase os mesmos, mesmas as soluções
ou não-soluções. Mas o que vale em
Machado são os cacos, os "punti luminosi" que recheiam sua obra.
Numa apreciação mais isenta, faço
reparos aos critérios editoriais que
reúnem a sua produção de circunstância, muita crônica e muito conto
feito em cima da perna. São pesquisadores que, entre uma e outra tiragem das obras completas do mestre,
acham originais de Machado em gavetas ou revistas esporádicas.
É uma produção de qualidade inferior. As editoras reconhecem isso,
agradecem aos pesquisadores, mas
publicam textos que Machado escreveu com algum constrangimento, por
cortesia.
Compreende-se a posição do escritor: ele vivia disso (seu salário no Ministério era pequeno) e nem sempre
estava adrede a produzir uma obra-prima. Os autores têm o direito de escolher o que desejam passar para o livro. Depois de alguns anos de morto,
cai em domínio público. Machado é
vítima de uma rapinagem nem sempre escrupulosa (existem boas rapinagens).
Limpo a barra do R. Magalhães Jr.,
que fez as suas escavações a sério e
em nível crítico. Entretanto, para aumentar o número de volumes, editoras não-sérias limitam-se a informar
que inéditos ou páginas esquecidas
acabam de ser descobertas -e aí temos um sub-Machado, até certo ponto um anti-Machado. Coisas da vida
-que formam a vida das coisas.
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