São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Lula está só

JOSÉ CARLOS ALELUIA

O presidente Lula nunca esteve tão sozinho. Um a um, seus melhores amigos estão voltando para casa. Os primeiros a partir foram a senadora Heloísa Helena e os deputados da chamada ala radical do PT, expulsos por se negarem a abrir mão da coerência de idéias e posições políticas cultivadas ao longo de mais de 20 anos. Agora é a vez do pessoal do chamado núcleo duro do governo pedir o boné, convencido de que o sonho acabou.
Lula fez a opção pelo FMI, tão contestada, ao longo de mais de duas décadas, pelo PT e por políticos que eram tratados não como adversários, mas como "inimigos do povo".
Quando nós, da oposição, denunciamos o estelionato eleitoral praticado pelo PT, que mandou para o arquivo morto cada uma das promessas de campanha, houve dura reação por parte daqueles que, agora, decidiram abandonar o barco. Hoje, quando dizem adeus, acabam por reconhecer que nós estávamos com a razão, porque até agora o governo Lula não demonstrou coerência ou competência política e administrativa. A maior prova disso é o fato de a Câmara permanecer tanto tempo sem votar matéria nenhuma, por culpa das trapalhadas do Executivo. Lula enviou ao Congresso Nacional uma saraivada de medidas provisórias, algumas inconstitucionais, outras sem nenhuma relevância ou urgência.
E lembrar que o PT era um crítico veemente da emissão de medidas provisórias pelos governos anteriores.


Até hoje, passados dois anos da posse deste governo, os programas sociais não saíram do papel


Matérias importantes, como a Lei de Falências, a Lei de Biossegurança e a correção da tabela do Imposto de Renda, de interesse da sociedade, aguardaram na fila a boa vontade da base do governo para serem votadas. Não é só o Legislativo que a administração do PT paralisou.
Até hoje, passados dois anos da posse deste governo, os programas sociais não saíram do papel. Os destaques da área social, noticiados pela imprensa, têm sido a falta de sintonia, a inépcia gerencial, a carência de realizações e, principalmente, as trombadas entre os responsáveis pela implantação dos programas. Não foi por acaso que o PT perdeu a eleição em Guaribas, cidade do Estado do Piauí escolhida para ser a vitrine do Fome Zero.
Ao desastre administrativo acrescentem-se as alianças políticas suportadas unicamente no fisiologismo. A nação vê estarrecida a falta de cerimônia dos governistas. Cerimônia que chegou ao acinte de um líder da base que dá sustentação à gestão Lula anunciar que só votaria algo no Congresso após a liberação de verbas e outro líder afirmar que só aceitaria um ministério recheado de recursos e cargos.
Os companheiros de Lula, hoje, são os adversários de dois, três, cinco anos atrás, e a essa troca de companhias o PT batizou "coalizão". O programa de governo para a economia é uma cópia desbotada daquele oferecido pela administração anterior. A novidade é justamente a falta de novidade.
Não é outro o motivo que levou o PT à derrota no Rio, em São Paulo e na Região Sul. O eleitor está cada vez mais exigente e sabe muito bem a diferença entre o marketing da demagogia e as ações de governo que produzem resultados concretos. Vota cada vez mais com a razão e cada vez menos com a emoção. E espera que o governo cumpra a sua parte. Mas isso não vem acontecendo, por exemplo, na crise que contaminou as relações do Planalto com o Congresso.
Esta é uma crise de confiança e, se hoje o governo está com água pelos tornozelos, é porque sua própria base de sustentação no Parlamento não confia nas promessas. Está levando ao pé da letra a máxima de São Tomé: ver para crer.
O governo do PT precisa entender que crédito político é algo que se constrói ao longo de relações de mão dupla, com maturidade política e convivência democrática.
A falta dos amigos e a solidão talvez levem o presidente Lula a refletir sobre as transformações dele e de seu governo num espaço tão curto de tempo. Ele ainda conta com pouco mais de um ano para arregaçar as mangas e trabalhar para cumprir pelo menos 10% das suas promessas de campanha, principalmente aquelas que seduziram os mais necessitados. E abandonar o viés autoritário, melhor caminho para o fracasso. Do contrário, a água que hoje está nos tornozelos chegará rapidamente à cintura, afogando o governo numa sucessão de crises, levando-o à paralisia e prejudicando imensamente o país.
Por uma coincidência do destino, Lula vem seguindo a mesma receita dos ex-presidentes João Figueiredo e João Goulart, que, por motivos diferentes, foram lançados à solidão do poder pela incompetência de administrar crises e de manter uma relação de alto nível com o Congresso.
Como Lula, eles optaram por residir na Granja do Torto, longe do burburinho da praça dos Três Poderes. João Goulart saiu do Torto para o exílio e Figueiredo mudou-se de lá para o Rio, pedindo que o povo o esquecesse.
Torço sinceramente para que o presidente não tenha o mesmo destino e deixe o poder em janeiro de 2007 pela porta da frente do Palácio do Planalto.

José Carlos Aleluia, 56, deputado federal pelo PFL-BA, é o líder do partido na Câmara.


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