São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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Equilíbrio e justiça social

LUIZ MARINHO


Nossa tarefa é desmistificar a idéia de que mudanças na Previdência serão sempre prejudiciais ao trabalhador


A IMPORTÂNCIA estratégica da Previdência Social brasileira, do ponto de vista econômico, social e de redistribuição de renda, é inquestionável.
O sistema previdenciário alcança diretamente mais de 70 milhões de pessoas em todo o país -25 milhões só de beneficiários do INSS. Entre janeiro e outubro deste ano, a Previdência Social pagou R$ 149,4 bilhões em benefícios, que garantem condições de sobrevivência a milhões de famílias. No mesmo período, a arrecadação líquida foi de R$ 110,4 bilhões.
Entretanto, a tendência é favorável: nos últimos meses, a arrecadação tem crescido acima das despesas. Em outubro, a necessidade de financiamento do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) foi 15,5% menor do que no mesmo mês em 2006.
A proximidade do equilíbrio se tornou mais clara depois de uma mudança no conceito de contabilidade do RGPS, construída em conjunto com o Fórum Nacional da Previdência Social (FNPS) ao longo de 2007. A contabilidade tradicional do RGPS embutia contas que não podem ser atribuídas à Previdência. A reformulação permite que o debate seja feito de forma racional, com lógica.
Separamos as contas dos trabalhadores urbanos, que contribuem mensalmente, das contas dos trabalhadores rurais, que necessitam de subsídio, como ocorre em todo o mundo. No novo conceito, as renúncias de contribuição (filantropia e exportação rural) passarão a constar da contabilidade de cada órgão responsável pela saúde, pela educação etc.
Descontados o valor das renúncias e o indispensável subsídio para os trabalhadores rurais -direito previsto na Constituição-, as receitas e as despesas do regime geral na área urbana apresentam sinais alentadores. Aplicada a nova contabilidade, o déficit de 2006 foi de R$ 3,8 bilhões e a projeção para 2007 é de R$ 1,8 bilhão. A continuar nesse ritmo, a tendência para o ano que vem é de equilíbrio na área urbana.
É evidente que, para a contabilidade da Previdência urbana chegar ao azul e nele permanecer, é fundamental que haja continuidade do crescimento econômico registrado nos últimos anos, com controle de inflação e redução das taxas de juros. Esse quadro nos beneficiou nos últimos anos, resultando no fortalecimento do mercado de trabalho e na melhoria da arrecadação.
Já temos marcas positivas, como o aumento do valor médio real dos benefícios, de 21,28% nos últimos quatro anos, bem como da manutenção do poder de compra dos segurados. Hoje, o valor médio do benefício pago pelo INSS é de R$ 596,33. E a correspondência entre o piso previdenciário e o salário mínimo garantiu que dois terços dos nossos beneficiários pudessem ter reajuste acima da inflação neste ano.
Além disso, a PNAD/2006 apontou que 80,7% da população idosa está sob a proteção da Previdência Social no Brasil. Na América Latina, somente o Uruguai tem uma taxa semelhante a essa. E, quando os beneficiários da Previdência utilizam o dinheiro recebido na compra de serviços e bens, tornam-se importantes atores da redistribuição de recursos que movimentam as economias regionais.
A verdadeira relevância dessas informações está no significado que elas têm para quem depende do dinheiro do INSS. Pessoas que procuram o sistema de seguridade quando estão vulneráveis: em idade avançada, porque contraíram doenças ou foram vítimas de acidentes ou invalidez. Os benefícios concedidos a elas configuram uma grande rede de proteção social para os cidadãos desse país. Mas a manutenção dessa rede depende do controle de um fator novo: a influência da evolução demográfica nas contas da Previdência.
O aumento da expectativa de vida está ampliando o número de anos que o segurado passa recebendo o benefício como aposentado. Ao mesmo tempo, a redução da taxa de natalidade diminui a quantidade de jovens contribuintes chegando ao mercado de trabalho. É para ajustar essa conta que o FNPS iniciou os debates a respeito de mudanças na Previdência.
A falta de um acordo final no fórum para viabilizar aumento na arrecadação é apenas um obstáculo. Temos tempo para planejar essa mudança, que só se aplicará às novas gerações. Ainda estamos no início das negociações, que certamente se desenvolverão no Congresso Nacional. Nossa tarefa é desmistificar a idéia de que mudanças na Previdência serão sempre prejudiciais ao trabalhador. Ao contrário, elas garantirão o equilíbrio das contas para preservá-la grande, sólida e sustentável. É para isso que estamos trabalhando.


LUIZ MARINHO, 48, bacharel em direito, é ministro de Estado da Previdência Social. Foi presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

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