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CARLOS HEITOR CONY
Mulheres e cavalos
RIO DE JANEIRO - Acácio, o conselheiro, poderia dizer que o avião é
necessário para se vencer longas
distâncias. Incorporando o espírito
de porco do personagem de Eça, eu
diria que é perigoso também. Não
pela hipótese de um acidente. Entendidos garantem que é o meio de
transporte mais seguro do mundo.
O perigo é o sujeito que se senta
ao lado. Contam por aí uma história
envolvendo o finado cronista Antônio Maria e o cronista ainda sobrevivente que sou eu. Tudo se teria
passado numa curta viagem entre
Rio e São Paulo. No fundo, uma boa
piada, digna do gordo autor de
"Ninguém me quer".
Mas, na semana passada, enfrentei desafio pior. Depois de amarrado, o meu vizinho de banco cumprimentou-me efusivamente. Retribuí
a amabilidade, agradecendo e procurando me acomodar para dormir
durante a viagem. Não deu jeito. Ele
estava entusiasmado com um livro
que lera há tempo e que, segundo
sua próprias palavras, mudara a sua
vida, sua visão de mundo.
O livro era "Não Verás País Nenhum", do Ignácio de Loyola Brandão. Custei a perceber o equívoco e,
quando percebi, quis explicar que
não era o autor do excelente romance, um dos melhores de nossa
literatura moderna.
O sujeito não parava de louvar e
comentar o livro que julgava de minha autoria. Com tal entusiasmo
que eu me limitei a concordar com
o meu silêncio, que ele tomou por
modéstia. Obrei bem permanecendo calado: além de imerecidos elogios, ouvi sugestões para uma dúzia
de livros, que, infelizmente, não poderei escrever por falta de tempo e
de talento.
Uma delas eu passo gostosamente ao Ignácio de Loyola: a do deputado gaúcho, mulherengo e viciado
em corridas no Jóquei Clube, que
atribuiu sua decadência pessoal,
política e econômica às mulheres
ariscas e aos cavalos lerdos.
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