São Paulo, quinta-feira, 03 de janeiro de 2008

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KENNETH MAXWELL

O músico e a música

2008 será o ano da China, e não só por causa da Olimpíada: política e economia também se farão sentir, e nem tudo será leve e suave.
Dois fatores tornam provável esse desdobramento. Primeiro, a solução da crise de crédito nos Estados Unidos e na Europa, e em especial os métodos usados pelos fundos de investimento "soberanos", ou seja, controlados pelos governos do Oriente Médio e da Ásia, a fim de oferecer liquidez ao sistema financeiro internacional.
Segundo, a campanha presidencial dos EUA, que começa a sério hoje, com a primária de Iowa, e seguramente vai assumir tom cada vez mais populista à medida que o ano avança, particularmente se os EUA entrarem em recessão. Quanto às questões econômicas, o americano médio é mais "nacionalista" que as elites empresariais e políticas; tal dado é revelado de modo consistente em pesquisas feitas ao longo dos anos, quando as opiniões dos "líderes" são contrastadas com as da população em geral.
Vale lembrar a última grande crise do petróleo, nos anos 70, quando grandes superávits de dólares foram acumulados por países exportadores de petróleo. Os bancos dos EUA reciclaram os "petrodólares" em empréstimos aos países em desenvolvimento da América Latina, que tinham dificuldades de caixa.
Os bancos alegavam que tais empréstimos não traziam risco. Os devedores eram governos nacionais, ou seja, órgãos "soberanos", e nações, afirmavam os bancos, não podem falir. Mas quando esses "soberanos" todos começaram de fato a decretar moratórias, ficou óbvio que os inteligentes em toda a história foram os árabes, e não os bancos norte-americanos ou os países da América Latina. Afinal, coube aos bancos dos EUA, e não aos árabes, assumir a responsabilidade pelos empréstimos reciclados.
Agora o superávit de petrodólares no Oriente Médio é complementado pelas imensas reservas cambiais da China, e os novos "soberanos" se tornaram investidores, e não devedores. Eles têm liquidez no exato momento em que os bancos europeus e americanos não têm. Assim, fundos controlados por Estados da Ásia e Oriente Médio estão abocanhando participações substanciais em instituições financeiras dos EUA e Europa: o fundo chinês adquiriu 9,9% do Morgan Stanley e 9,4% do Blackstone; e a Citic, 6% do Bear Stearns.
Os banqueiros crêem que essa seja uma boa notícia; mas estavam errados da última vez. Recentes pesquisas nos EUA demonstram que 58% dos americanos acreditam que a globalização prejudicou o país, e os eleitores democratas e republicanos estão próximos de acordo completo quanto a isso. Em ano de eleição e de dificuldades econômicas, os eleitores tendem a acreditar no velho ditado (não chinês), segundo o qual "quem paga o músico escolhe a música".


KENNETH MAXWELL escreve às quintas nesta coluna. Tradução de PAULO MIGLIACCI

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