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Depois da crise
Passada a fase aguda do desarranjo econômico global, há riscos de sobreaquecimento nas economias emergentes
FORAM DOIS os desequilíbrios que levaram à debacle financeira deflagrada
em setembro de 2008.
Durante duas décadas, houve no
mundo rico um progressivo endividamento, concentrado nas
famílias e nos bancos -a regulação débil, por ideologia e problemas operacionais, foi incapaz de
detectar e evitar os excessos.
Além disso, a emergência da
China como protagonista na economia mundial perturbou a tradicional ordem das coisas.
Ao longo da década de 2000, a
China optou por não permitir a
valorização de sua moeda, o que
seria o curso natural para um
país com forte impulso na produtividade e superavits comerciais crescentes. Pequim adotou
uma versão moderna de mercantilismo e logo acumulou reservas
internacionais de US$ 2 trilhões,
superiores ao PIB do Brasil.
Esse dinheiro foi reciclado no
sistema financeiro ocidental e,
numa inversão do padrão histórico, direcionado aos países ricos. Contribuiu para manter baixas as taxas de juros nos EUA e
na Europa e acelerou o endividamento dessas economias. No fim
da corrente de crédito estavam,
principalmente, financiamentos
imobiliários feitos pelos bancos.
A crise foi desencadeada pelo
esgotamento da capacidade de
tomar empréstimos das economias ricas, o que levou à interrupção do circuito, à queda nos
preços dos imóveis e, por conseguinte, à insolvência dos bancos.
A alternativa no calor da crise
foi recorrer a uma profunda intervenção do Estado, por meio
de capitalização e injeção ilimitada de recursos no sistema financeiro e na economia em geral, com a forte expansão dos
gastos públicos. O primeiro grupo de medidas pretendeu evitar a
paralisia do que pode ser descrito como óleo lubrificante do capitalismo. O segundo tentou
preencher o vácuo de demanda
privada que se seguiu à crise. Em
conjunto, tais iniciativas afastaram o risco de depressão.
Passada a fase aguda, ficam os
problemas crônicos, que vão balizar a economia mundial a partir
deste ano de 2010.
Um dos principais gargalos é o
endividamento público nos países ricos. A maioria deles continuará a incorrer em deficits entre 5% e 10% do PIB em 2010 e
2011. A dívida pública chegará a
patamares inéditos em tempos
de paz, entre 80% e 100% do PIB.
Já está colocada a necessidade
de reduzir esses deficits em horizonte não muito longo, sob pena
de incorrer-se em riscos financeiros severos para os governos e
em inflação. A liberdade da política econômica nesses países
centrais ficará, portanto, seriamente restrita no curto prazo.
Em 2010, os capitais despejados em abundância pelos Bancos
Centrais serão em parte recolhidos, mas os juros devem continuar baixos. Tal combinação é
um risco, no contexto de forte
crescimento dos emergentes.
Pode alimentar uma nova inflação de "commodities" e sobreaquecer os países mais dinâmicos.
Em alguns deles -China, Índia e
Brasil-, já está clara a necessidade de políticas mais restritivas.
Até por esse motivo, o potencial de instabilidade da economia global ainda é grande. Ao
Brasil convém uma estratégia
cautelosa, a fim de evitar desequilíbrio externo significativo.
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