São Paulo, domingo, 03 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Povos da rua, leis sociais e renda básica

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


O Bolsa Família, que beneficia 25% dos brasileiros, é o primeiro passo para alcançarmos a RBC para todas as pessoas


TESTEMUNHEI COM alegria o 7º Natal dos Povos da Rua com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De todos aqueles organizados pelo padre Júlio Lancelotti, desde 2003, com a cooperação de todos os movimentos de catadores de papéis e objetos recicláveis, de luta pela moradia, saúde e educação, este foi o de melhor efetividade até aqui.
Ali estavam cinco ministros empenhados em que as ações de seus ministérios -do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, da Previdência, das Cidades e da Secretaria-Geral da Presidência- anunciassem passos de grande significado. Também ali estava presente o próprio chefe do gabinete pessoal da Presidência da República, Gilberto Carvalho, parceiro irmão do presidente, que lhe solicitou estar atento a cada uma das demandas possíveis de serem atendidas.
Conforme dom Odilo Pedro cardeal Scherer observou, naquele encontro, cada criança que nasceu como Jesus, ainda que da maneira mais modesta, em meio aos sacos de lixo, estava com a esperança de uma vida digna.
Fiquei a pensar no que poderá dar um sentido maior e definitivo no próximo e último Natal do presidente com os povos da rua além dos projetos por ele solicitados, como transformar prédios públicos, que estão abandonados em nossas grandes cidades, em locais de moradia, educação e cultura para a população.
Recentemente, o presidente Lula solicitou aos seus ministros da Justiça, da Secretaria-Geral da Presidência, do Desenvolvimento Social e a outros que preparem um anteprojeto de consolidação das leis sociais (CLS), a exemplo do que fez Getúlio Vargas em 1943, quando promulgou a Consolidação das Leis do Trabalho.
A CLS englobaria projetos definidos em lei, como o ProJovem, o ProUni, o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, o Pronasci e outros baseados em decretos e portarias. Seriam obrigações legais para os próximos governos.
O presidente Lula sancionou, em 8/1/2004, a lei 10.835/2004, que institui a Renda Básica de Cidadania (RBC), aprovada consensualmente por todos os partidos no Senado, em dezembro de 2002, e na Câmara dos Deputados, um ano depois. A lei dispõe que será direito de todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros aqui residentes há pelo menos cinco anos, não importa a sua condição socioeconômica, receberem uma renda que será igual para todos, suficiente para atender as necessidades básicas de cada pessoa, tendo em conta o grau de desenvolvimento do país e as possibilidades orçamentárias.
O parágrafo primeiro da lei da RBC dispõe que sua implementação será realizada por etapas, a critério do Executivo, priorizando os mais necessitados. O Bolsa Família, que hoje beneficia um quarto dos brasileiros, é o primeiro passo na direção de alcançarmos a RBC para todas as pessoas.
De 30 de junho a 2 de julho, na FEA-USP, será realizado o 13º Congresso Internacional da Bien - Basic Income Earth Network, ou Rede Mundial da Renda Básica, ocasião em que estarão presentes os pensadores dos cinco continentes que abraçaram essa causa. Os trabalhos para o congresso poderão ser enviados até 25/2 para bien2010.callforpapers@gmail.com. O presidente Lula fará a palestra de abertura. É grande a expectativa sobre a sua exposição sobre como o Brasil, após consolidar o Bolsa Família, inclusive para toda a população hoje na rua, instituirá a Renda Básica Incondicional. Será que os povos da rua compreendem que a renda básica incondicional, paga a todas as pessoas, não importando sua origem, raça, idade, sexo, condição civil ou socioeconômica, será também melhor para eles? Tenho a convicção de que sim, e esta é a conclusão a que cheguei depois de realizar centenas de palestras em todo o Brasil, com pessoas de todos os segmentos da sociedade, nos últimos 20 anos de amadurecimento sobre a proposta. São eles, justamente, os que mais entusiasticamente compreendem, como salientou dona Anita, representante veterana daqueles povos, ao refletir ao presidente Lula sobre o direito de todas as pessoas participarem da riqueza da nação.
Quem sabe possa o presidente, no próximo Natal com os povos da rua, transmitir-lhes como colocou em prática um instrumento que garante a toda a pessoa o direito inalienável de participar da riqueza do Brasil através de uma renda suficiente para atender as suas necessidades vitais.


EDUARDO MATARAZZO SUPLICYprofessor da Eaesp-FGV, é senador da República pelo PT-SP, autor do livro "Renda de Cidadania - a saída é pela porta" (Editora Fundação Perseu Abramo e Cortez Editora, 2008), entre outras obras.

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