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Ainda no pântano
A eleição de Arlindo Chinaglia na Câmara dos Deputados não sugere a superação da crise ética no Legislativo federal
RARAS vezes uma eleição
para a presidência da Câmara dos Deputados terá despertado tanto interesse da opinião pública.
Do ponto de vista da transparência institucional e do debate
político, o avanço não foi pequeno. Compare-se a acirrada disputa das últimas semanas com
aquele silencioso e sinistro levante do baixo clero que determinou a eleição, em 2005, de Severino Cavalcanti: sem dúvida,
registram-se agora menores motivos para o desalento.
Entre o processo eleitoral e o
seu resultado efetivo, contudo,
há uma distância que nem mesmo o mais otimista dos observadores poderia desconsiderar. O
mínimo que se pode dizer da vitória de Arlindo Chinaglia (PT-SP) é que está longe de simbolizar as aspirações generalizadas
de uma recuperação ética do Legislativo brasileiro.
Chinaglia obteve, de forma legítima, a maioria dos votos de
seus pares; mas é assim que, ao
seu lado, triunfam os fisiologistas de todas as horas, os oportunistas de todo calibre que compõem a base do governo Lula, e
os mais impenitentes protagonistas do escândalo do mensalão:
aqueles que perderam o mandato, aqueles que foram reeleitos,
aqueles que agora apostam na
própria anistia.
"A página da crise está virada",
afirma o novo presidente da Câmara, que ao mesmo tempo promete trabalhar pelo fortalecimento da instituição. O discurso
de Chinaglia equilibra-se mal entre a indulgência corporativa e a
necessidade de dar alguma resposta à profunda crise moral do
Legislativo. Não depende de suas
promessas, mas sim do poder de
pressão da sociedade, a superação desse estado de coisas.
A oposição, por sua vez, deu
novos exemplos de desarticulação durante o processo. Líderes
do PFL e PSDB acumpliciaram-se na defesa do aumento salarial
dos parlamentares. No primeiro
turno da eleição, tucanos e pefelistas dividiram-se, apoiando
respectivamente Gustavo Fruet
e Aldo Rebelo; no segundo turno,
o PSDB cindiu-se entre adeptos
de Rebelo e de Chinaglia.
Em meio às suas rivalidades
internas, o PSDB é hoje menos
um partido organizado e programático do que uma plataforma
carcomida a servir de palco para
o conflituoso balé de dois aspirantes à Presidência em 2010.
Beneficiado pelo voto popular
e pelo ambiente de personalismo
em que se debate a oposição, o
governo Lula pode contar com
uma expressiva base de apoio para as iniciativas que venha a tomar no próximo mandato. Só lhe
falta saber quais são. Nenhuma
proposta concreta de reforma
política ou tributária, nenhuma
idéia para a crise da segurança
pública ou para o sistema previdenciário parecem constar da
agenda do Planalto.
Nem mesmo a reforma ministerial, mais uma vez adiada, ganha impulso no momento. Já era
bastante bizarra a atitude de esperar a eleição das mesas da Câmara e do Senado para empreendê-la; vencida a pequena batalha
que lhe servia de pretexto, a estagnação decisória do presidente
Lula prossegue. Brasília não sai
do pântano.
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