São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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Ainda no pântano

A eleição de Arlindo Chinaglia na Câmara dos Deputados não sugere a superação da crise ética no Legislativo federal

RARAS vezes uma eleição para a presidência da Câmara dos Deputados terá despertado tanto interesse da opinião pública.
Do ponto de vista da transparência institucional e do debate político, o avanço não foi pequeno. Compare-se a acirrada disputa das últimas semanas com aquele silencioso e sinistro levante do baixo clero que determinou a eleição, em 2005, de Severino Cavalcanti: sem dúvida, registram-se agora menores motivos para o desalento.
Entre o processo eleitoral e o seu resultado efetivo, contudo, há uma distância que nem mesmo o mais otimista dos observadores poderia desconsiderar. O mínimo que se pode dizer da vitória de Arlindo Chinaglia (PT-SP) é que está longe de simbolizar as aspirações generalizadas de uma recuperação ética do Legislativo brasileiro.
Chinaglia obteve, de forma legítima, a maioria dos votos de seus pares; mas é assim que, ao seu lado, triunfam os fisiologistas de todas as horas, os oportunistas de todo calibre que compõem a base do governo Lula, e os mais impenitentes protagonistas do escândalo do mensalão: aqueles que perderam o mandato, aqueles que foram reeleitos, aqueles que agora apostam na própria anistia.
"A página da crise está virada", afirma o novo presidente da Câmara, que ao mesmo tempo promete trabalhar pelo fortalecimento da instituição. O discurso de Chinaglia equilibra-se mal entre a indulgência corporativa e a necessidade de dar alguma resposta à profunda crise moral do Legislativo. Não depende de suas promessas, mas sim do poder de pressão da sociedade, a superação desse estado de coisas.
A oposição, por sua vez, deu novos exemplos de desarticulação durante o processo. Líderes do PFL e PSDB acumpliciaram-se na defesa do aumento salarial dos parlamentares. No primeiro turno da eleição, tucanos e pefelistas dividiram-se, apoiando respectivamente Gustavo Fruet e Aldo Rebelo; no segundo turno, o PSDB cindiu-se entre adeptos de Rebelo e de Chinaglia.
Em meio às suas rivalidades internas, o PSDB é hoje menos um partido organizado e programático do que uma plataforma carcomida a servir de palco para o conflituoso balé de dois aspirantes à Presidência em 2010.
Beneficiado pelo voto popular e pelo ambiente de personalismo em que se debate a oposição, o governo Lula pode contar com uma expressiva base de apoio para as iniciativas que venha a tomar no próximo mandato. Só lhe falta saber quais são. Nenhuma proposta concreta de reforma política ou tributária, nenhuma idéia para a crise da segurança pública ou para o sistema previdenciário parecem constar da agenda do Planalto.
Nem mesmo a reforma ministerial, mais uma vez adiada, ganha impulso no momento. Já era bastante bizarra a atitude de esperar a eleição das mesas da Câmara e do Senado para empreendê-la; vencida a pequena batalha que lhe servia de pretexto, a estagnação decisória do presidente Lula prossegue. Brasília não sai do pântano.


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