São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A "nova Câmara" será melhor que a anterior?

NÃO

Mais do mesmo na legislatura

MARCO ANTONIO VILLA

A ÚLTIMA legislatura da Câmara dos Deputados foi tão ruim quanto as anteriores. Com uma diferença: a crise política permitiu que fossem revelados escândalos que já ocorriam -e há muito tempo.
A atual será sofrível: com sanguessugas, mensaleiros e cacarecos.
A distribuição do número de deputados por Estado distorce a representação popular e é fator gerador de crises políticas e descrédito da Câmara. A sub-representação dos Estados do Sudeste e do Sul e a sobre-representação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste acaba enfraquecendo o Legislativo.
As várias Constituições republicanas só foram aumentando o problema: a de 1891 fixava um número mínimo de quatro deputados, mantido em 1934, ampliado para sete em 1946, mantido pela Constituição de 1967. O Pacote de Abril de 1977 diminuiu para seis, mas, na atual Constituição, a representação mínima saltou para oito deputados, o que se agrava ainda mais pela criação de novos Estados.
Não é acidental que a maioria dos membros do baixo clero provenha de Estados sobre-representados, em que o voto é controlado pelos oligarcas. Manter tal distorção significa que os destinos da Casa continuarão nas mãos de deputados, por exemplo, de Roraima ou Tocantins, eleitos por um punhado de votos que mal daria para eleger um vereador em uma cidade média do Estado de São Paulo.
Em certa época, a opinião pública e a imprensa imputaram as mazelas da Câmara ao ano legislativo, considerado exíguo. Voltando às Constituições republicanas, a de 1891 estabeleceu um mínimo de quatro meses de trabalho. O mínimo foi a seis meses (1934), nove (1946), caiu para oito (1967) e voltou aos nove meses hoje.
Apesar de ter mais que dobrado o período de trabalho em relação ao Congresso da República Velha, isso não teve nenhum significado na qualidade da ação política dos deputados.
Antes das eleições de 2006, pesquisadores estimavam que a renovação da Câmara alcançaria 60%. A renovação foi inferior (46%), e a maioria do baixo clero, além de deputados associados aos escândalos recentes, retornou à Casa. Continuaremos a assistir ao triste espetáculo da negociação do voto em troca de favores que incluem a liberação de emendas parlamentares e a nomeação para as diretorias de ministérios e estatais com o intuito de "fazer caixa" para a próxima eleição.
Na última legislatura, não tivemos sequer uma sessão ordinária ou reunião de comissão em que tenha ocorrido um grande debate político. O quadriênio, em termos de debater o Brasil, foi um tédio completo. O interesse eventual esteve restrito às reuniões das CPIs. Tanto que a cobertura da mídia ficou restrita ao episódico, assim como agora, quando, na falta de grandes temas, os jornalistas já escolheram a musa da legislatura. E não é a primeira vez, basta recordar a musa da Constituinte, do impeachment etc.
Pode ser que o elevado número de deputados (513) seja um fator que aprofunde a crise do Parlamento. Temos uma das maiores Câmaras do mundo. Nos EUA, que têm uma população quase 60% maior que a do Brasil, o número de deputados na Câmara dos Representantes é de 435. A Índia, cuja população é quatro vezes maior que a nossa, tem uma Câmara Baixa com 545 deputados. No caso brasileiro, a ampliação do número de cadeiras não teve nenhum significado democrático. Pelo contrário, petrificou os interesses coronelísticos.
A sessão que elegeu o presidente da Câmara foi um péssimo início de legislatura. Estava em jogo o terceiro cargo em importância da República. Porém, o plenário se comportou como se estivesse em um piquenique. Raros foram os deputados que souberam explicar as razões ideológicas da escolha de um dos candidatos.
Nos próximos quatro anos, as galerias da Câmara continuarão vazias, e o plenário, deserto de deputados e de idéias. A história do nosso Parlamento já foi bem diferente. Foi palco de grandes debates e interesse popular.
Que bom seria se redivivos lá estivessem Teófilo Ottoni, Joaquim Nabuco, Afonso Arinos, San Tiago Dantas, José Bonifácio, o Moço, e tantos outros.


MARCO ANTONIO VILLA, 50, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre outras obras, "Jango, um Perfil (1945-1964)".

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