|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Começando a gostar
RIO DE JANEIRO - Não devo causar surpresa ao afirmar que estou começando a gostar do Severino. Fiz parte
da turbamulta que esculhambou a
sua eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, os métodos que
usou e até mesmo alguns lances de
seu passado reacionário.
Na verdade, ele nada fez ainda de
importante a não ser dar seguimento
à principal promessa de sua campanha eleitoral para ocupar o terceiro
cargo mais importante da República.
Mas estou gostando cada vez mais de
seu visual meio espinafrado, bem
brasileiro ou, como diria Manuel
Bandeira, "tão Brasil".
A foto de seu umbigo, revelado pela
camisa amarfanhada e insuficiente
para cobrir a extensão de sua barriga, foi comovente. Vale como logotipo de uma era. Um homem com mais
de 70 anos que não tem medo de exibir a primeira e inarredável cicatriz
que ganhamos da vida merece reflexão. Concorrer com o umbigo das
atuais deusas das passarelas é façanha que não é para qualquer um.
Na segunda-feira desta semana, os
jornais publicaram a sua foto na Festa do Trigo, ao lado do José Alencar.
A diferença do visual é extraordinária. O vice-presidente, com a cara que
Deus lhe deu, cara honesta, mas
amarrada, cumprindo um dever de
ofício. A cara do Severino dava a impressão de que ele é que plantara todo o trigo do Brasil, que ainda não é
muito nem bastante para a nossa fome. Não parecia uma autoridade,
mas um homem do povo, que exibia
não um símbolo, mas uma mensagem.
Quem vê cara, diz o ditado, não vê
coração. No caso do Severino, coração e cara parecem a mesma coisa.
Ele diz o que pensa e age como pensa.
Não dá bola para a turbamulta citada lá em cima. Parece que conhece os
homens no que os homens têm de
pior -e isso não é demérito, pelo
contrário, é virtude que pode levá-lo
a grandes feitos, cuja primeira mostra foi exatamente derrotar o governo, que se jogou inteiro na disputa,
usando métodos diferentes na aparência, mas idênticos na substância.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: A força dos bobos Próximo Texto: Demétrio Magnoli: Tudo pelo social Índice
|