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ELIANE CANTANHÊDE
A força dos bobos
BRASÍLIA - No primeiro discurso da colação de grau dos formandos em
pedagogia da UnB, na semana passada, um dos oradores surpreendeu
ao condenar: "Não ao aumento dos
deputados, sim ao dos professores!".
O enorme auditório de pais, maridos, mulheres, filhos e colegas veio
abaixo, representando na prática
que as pessoas estão não apenas bem
informadas sobre a proposta de aumento em cascata dos parlamentares
como indignadas.
Severino Cavalcanti, portanto, se
meteu numa enrascada. Prometeu
aumento de 67% ao colegas para ser
eleito, gastou sua reunião de estréia
na Casa para acertar os detalhes e se
viu diante de uma situação inusitada: estão todos loucos para aumentar
os próprios salários, mas seus eleitores não deixam. E agora?
Agora, o nonsense continua. Sem
condições políticas de confrontar diretamente a opinião pública, o novo
presidente da Câmara foi pedir socorro a quem? Ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Pode parecer inacreditável, mas
foi Jobim quem deu uma saída esperta para garantir o aumento: uma canetada das Mesas do Congresso, na
forma de ato administrativo, dispensando os horrores e os holofotes numa votação em plenário.
Apesar de já ter sido parlamentar,
Jobim não estava exatamente preocupado em aumentar os salários dos
deputados. Seu interesse era em aumentar os salários dos... juízes! Ou seja, dos seus novos pares e dele próprio.
A solução proposta por Jobim (legítimo "alto clero") para Severino (o
"rei do baixo clero") tem o objetivo
claro de garantir o aumento sem o
desgaste político do voto. Depois, bastava que se reunissem todos para, em
uníssono, comemorar: "Enganei um
bobo, na casca do ovo!". O bobo é você. O bobo sou eu. Os bobos somos
nós, cerca de 180 milhões.
Neste acerto, em que baixo e alto
clero se confundem, coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros,
colher os frutos. Foi ele quem barrou
a idéia. Não por ser bonzinho, mas
porque, de bobo, esse não tem nada.
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