São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2005

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ELIANE CANTANHÊDE

A força dos bobos

BRASÍLIA - No primeiro discurso da colação de grau dos formandos em pedagogia da UnB, na semana passada, um dos oradores surpreendeu ao condenar: "Não ao aumento dos deputados, sim ao dos professores!".
O enorme auditório de pais, maridos, mulheres, filhos e colegas veio abaixo, representando na prática que as pessoas estão não apenas bem informadas sobre a proposta de aumento em cascata dos parlamentares como indignadas.
Severino Cavalcanti, portanto, se meteu numa enrascada. Prometeu aumento de 67% ao colegas para ser eleito, gastou sua reunião de estréia na Casa para acertar os detalhes e se viu diante de uma situação inusitada: estão todos loucos para aumentar os próprios salários, mas seus eleitores não deixam. E agora?
Agora, o nonsense continua. Sem condições políticas de confrontar diretamente a opinião pública, o novo presidente da Câmara foi pedir socorro a quem? Ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Pode parecer inacreditável, mas foi Jobim quem deu uma saída esperta para garantir o aumento: uma canetada das Mesas do Congresso, na forma de ato administrativo, dispensando os horrores e os holofotes numa votação em plenário.
Apesar de já ter sido parlamentar, Jobim não estava exatamente preocupado em aumentar os salários dos deputados. Seu interesse era em aumentar os salários dos... juízes! Ou seja, dos seus novos pares e dele próprio.
A solução proposta por Jobim (legítimo "alto clero") para Severino (o "rei do baixo clero") tem o objetivo claro de garantir o aumento sem o desgaste político do voto. Depois, bastava que se reunissem todos para, em uníssono, comemorar: "Enganei um bobo, na casca do ovo!". O bobo é você. O bobo sou eu. Os bobos somos nós, cerca de 180 milhões.
Neste acerto, em que baixo e alto clero se confundem, coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros, colher os frutos. Foi ele quem barrou a idéia. Não por ser bonzinho, mas porque, de bobo, esse não tem nada.


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